segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

sobre/nomes

o poema fala
a música
dos seus próprios nomes.
Nominar o inominável
Gravar o indelével
Penetrar o inescrutável
é querer dar nomes
aos que fazem da palavra
sua lavoura diária.

Ouvir bilac, de seu parnaso,
ouvindo estrelas
in extremix
ninar bandeira
com seus versos
meninos
Roubar de drummond
a memória do ferro
das minas que não
há mais.

Cantar com cecília
as canções eternas
daquilo que é efêmero
e com adélia
os cantos sacro-profanos
deixados nos panos
de prato, das canções.

Sofrer
com florbela
Com plath,
Com clarice
as dores femininas
do amor
não amanhecido.

Penetrar nos infernos
em todas as estações
nos odores dos jardins
de baudelaire
e amar as musas loucas
de appolinaire
e subir aos montes
e descer
aos vales
e savanas
com verlaine
e rimbaud
tudo que se amou.

Como lautreamont
gozar os gozos impensados
e se atirar às alturas
e às profundezas
como blake.

Nominar os sentimentos
num onomástico rol
de onomatopéias
que possam traduzir,
para cada poeta,
suas epopéias
na busca
pela palavra perfeita
a definir
suas vidas em sonhos
num mundo imperfeito.

Difícil feito.

Blablablá

o que há
no espaço
entre o beijo
e o abraço?
o amor é longo,
é curto,
é um surto, que cabe
no ritmo de um respiro.

é um suspiro, o amor,
que vidra o olhar
e penetra a retina
amarfanhando a rotina
como se amassam os lençóis
ao calor dos corpos nus
aos sóis de cada dia.

pura magia.
puro encantamento
esse momento
em que estamos,
estáticos,
almas nuas:

um cromo
a se guardar para sempre
como vivas sempre-vivas
numa página de diário.

esse momento é o que há.
O resto,
bem, o resto
é blablablá.

assim é, se lhe parece

assim é,
se lhe parece:
prece
súplica
revelação
a poesia, que penetra
surdamente
no reino da imaginação
e busca
em silêncio,
em sussuros e cicios
a alegoria e a metáfora
da sua própria essência.

Poesia. pão
chão
que se pisa sobre o vento
tão
silenciosa
quanto o canto
quanto o pranto
que mesmo à menor vertigem
provoca arroubos
e assombros
de tambores,
soando
no peito do mundo.

nos quatro cantos
do mundo.

poesia
força motriz
matriz de idéias
matiz de aquarela
arcoírica
anarquilirica
nutriz
de seios túrgidos
de leite bom.

poesia
aquela que se busca
no fusco-fusco da tarde
que arde,
fogueira em brasa
ou em brisa refrescante
como hálito de fadas.

faz da poesia sua casa
sua festa
sua fresta
para o infinito:
faz da poesia
a matéria iridescente
incandescente
do seu silêncio
e do seu grito.

exercí (cio) da palavra

sei que sou pouco lido
ou quase nunca lido.
é com a palavra que lido
e não me intimida
este falar
para ouvidos surdos
ou para urzes bíblicas:
a palavra é minha lida
minha vida
é lapidá-las
como jóias raras
e tecer-lhe iluminuras
em tessituras
de sonhos
urdindo-lhe tramas
e teias
veias
de veludo
e âmbar
na maciez
de pétalas
e pelicas.

a palavra fez em min
sua morada
e minha alma
é a sacrossanta casa
da poesia
que arrepia a pele,
que brota,se avoluma
como flor,no cio
de explodir
em fruto.

por isso, não me assustam
os versos não lidos
Os olvidos
os verbos não ditos.
assustam-me, sim,
a grandeza e a força
da palavra
desta lavoura arcaica
que, no entanto,
sempre é preâmbulo
do novo:

palavra-ovo
em explosão
de vôo.

domingo, 30 de novembro de 2008

ANARQUIPOESIA

Hoje amanheci poeta e estou entardecendo perdido na prosa. Prosear sobre poesia, sua natureza e exigências, sua dependência do poeta assim como o poeta depende dela, assim como o poeta depende do ar para respirar e da palavra para se expressar em meio às multidões apressadas, ensimesmadas e sem palavras para com aquilo que a rodeia.
A Poesia é uma musa exigente e premente e nuca se sabe quando chega ou quando vai. Coloca-nos em eterna vigília, a buscar a senda das maravilhas e das palavras inauditas, encantadas, novíssimas em sua formulação e em seu entendimento, como diamantes recém- convertidos de um carbono abrupto. A poesia é assim, ataca-nos de repente, ata-nos as mãos do fazer diário e se instala, sorrateira e brejeira, em nossa mente e coração, que fica lírico a buscar revelações e encantamentos. E nos atracamos com ela, enrolados em seu leito de lírios e rosas, de cheiros e luzes, plenos de imagens que querem se traduzir aos olhos outros pela construção e encontro da palavra perfeita, da palavra que traga a luz, ao mesmo tempo tragando a luz que brilha em nossa mente.
A poesia é isso: uma busca pela tradução, mais que perfeita, dos sentimentos imperfeitos, das nossas contradições, das antíteses que somos e nunca queremos deixar transparecer. A poesia, para isso, depende do poeta e o poeta depende da poesia,e muito mais, da plena liberdade, aquela gritada a plenos pulmões, daquele ar que escapa do escafandro deixando o mergulhador à mercê da água que lhe rouba os sentidos...
A poesia necessita liberdade, incondicional e irrestrita, para que seja gestada e resgatada do limbo a que muitas vezes a condenamos. Por isso, rima não com burocracia, mas com anarquia e com apostasia. A poesia é avessa aos controles, às planilhas, às escotilhas, às camarilhas, às escolas, às escolhas, é avessa aos sistemas e regimes; o que a poesia busca é a pura tradução da beleza, este ser abstrato que se oculta nos mais inusitados lugares... Por isso, o poeta não deve e nem pode, enquanto poeta, preocupar-se com números frios, mapas de controle, perfis produtivos, gráficos e estatísticas. Vamos sim, nos preocupar com o pranto não chorado, a palavra não dita, os matizes ao invés de matrizes algébricas, com o homem e a mulher, enquanto seres iluminados e antenados com o universo no qual vivem.
Por isso, enquanto poeta, não busco o raciocínio dos números e a frieza das estatísticas. E registre-se que, paralelamente, trabalho com números, que no contexto adequado, também possuem sua beleza... aliás, esta já é outra praia pois, para os matemáticos, os números são plenos de luz, beleza, incertezas e inesperado e isso, diga-se de passagem, também é pura poesia.
No entanto, quero aqui celebrar a liberdade e o dever do poeta de trabalhar sempre a palavra, como o fruto de uma lavoura não árida, de uma lavoura fértil, de onde brotem os sentimentos e as sensações apreendidas enquanto homens, dominados e dominadores, senhores e irmãos da natureza.
E para isso, sejamos anárquicos e deixemos que as palavras nos transportem aos mundos exteriores e interiores, e façamos dela nossa arma e nossa alma, faça-se a luz ordenou Deus, faça-se a sua tradução por meio da poesia, conclamou o poeta.
E sejamos assim, teses( como nos poemas-conceito, matrizes para outros e outros e outros poemas), antíteses ( como nos poemas barrocos, contrastes perfeitos para a natureza humana, sua luz e escuridão), sínteses( como nos poemas concretos e haicais, equações líricas e pequenas flores de cor e forma intensas). Sejamos menestréis medievais, cantando barcarolas, sejamos clássicos, em sonetos formais, sejamos parnasianos, buscando a jóia perfeita da rima e do conceito, sejamos simbolistas, dando voz aos nossos elementos interiores, sejamos naturalistas, dadaístas sem um sentido aparente, sejamos surrealistas transmutando as palavras em imagens sinestésicas e sensuais, sensações pictóricas, sejamos sintéticos e prolixos, sejamos modernos, reeditando 22, sejamos enfim, eternos, e assim estaremos sendo contemporâneos, expressando os medos, vozes e vórtices do nosso tempo, esse tempo que não é só cronológico, mas também sentimental emocio-lógico, baseado em nossas idiossincrasias e relacionamentos com o mundo e as gentes.
Vamos pois, poetas, construir nossos opus de luz, mesmo em meio ao pus, ao pó, mesmo em meio às descrenças e desavenças, lançar nossas sementes de beleza que um dia, quem sabe, contaminarão a todos, tal qual uma pandemia, um pandemônio , uma ode à alegria de viver!

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

NO RIO CAUDALOSO DOS SENTIDOS

ART MIRROR/flores de vapor by Guiprimola(guiprimola@yahoo.com.br)


Como quem
não quer
nada
Nado
Nudo
No rio caudaloso dos sentidos
Na cauda dos cometas e dos mitos
Poetas malditos.
E mergulho. Sem escafandros
Nos meandros da palavra
Que engendra versos
Que medra sonhos
Em meneios
De vozes
E de sombras.
E mergulho. Buscando
A luz mais que perfeita
No verso desconhecido.
Como o calor de corpos
De amantes amalgamados
Em camas e escamas
Subaquáticas.
Os céus derramam verdes
Frutos sobre a terra
E os troncos crescem,
Alçando-se ao léu.
Ao longe, dentes de leões
Ameaçam despedaçar-se
Ao sabor dos ventos
Mas se acalmam
Ao ver os azuis ensandecidos
Das musas de Picasso
E de Matisse
Matizando os cromos
Do arco-íris
Que se deita, estático,
Estético,
Na íris dos olhos
E dos lilazes.

E eu mergulho, assim,
A nado,
nudo,
Mudo
No reino silencioso
Das palavras
Que tecem casulos
E venenos
E nos conduzem
A píncaros e precipícios.

sábado, 18 de outubro de 2008

ELE.ELA.ELES


CENA I
A paisagem se desdobra à minha frente
feita de brilhos e barulhos matinais.
Mas não me importo. Não me interessam
estas mornas tardes outonais.
Em meu peito chove. Rugem vendavais.

CENA II
Ela não. sente-se sozinha senta-se no vão da escada e começa a pensar. pensar.
“Eu me perco na minha própria perdição. Ando muito desligada, buscando trilhas, maravilhas e não vejo a vida que corre ao meu lado, cobrando, cobrando, feito cobra serpenteando ora fria ora quente o bote armado... Nada me importa e a viagem não tem fim. Fui. Fim. “

Ela lembra os velhos filmes e os desgarrados personagens de Nazarin e os figurantes do banquete dos mendigos. Putas, abandonados, cães vadios saídos dos becos de Brecht, gente sofredora que desfila por seus olhos pedindo uma chance de se mostrar, de se revelar, de poder soltar os seus clamores.

CENA III
Ele deitado. Na cama um tédio sem remédio. Ontem foi sexta e ele só chegou no sábado noite selvagem sexo sexo sexo foi amor foi paixão? Não, foi só tesão acumulado, desejo de outro corpo, desejo estimulado pela mídia e pelo vício álcool na veia paraísos artificais que luta o que é que eu busco afinal onde é que eu vou para que estou aqui? São tantas e tontas perguntas e a vida corre, sorry. a vida corre, a noite escorre, o mundo é um grande porre, cadê as adocicadas lovistoris onde é que eu entro nesta história? Cansei, dancei.nem sei. Penso e lanço meus medos ao espaço e meus medos me invadem e se materializam e voam, soltos nos ares, feito vampiros feito nosferatus desilsudidos e desesperados querendo sangue mas muito mais que sangue querendo afetos e afoitos se desintegram aos primeiros raios de sol e aos mínimos sinais de carinhos ou caricias em suas faces túrgidas e lívidas de habitantes da noite. Ah, que pesadelos são estes que agora me atormentam?

CENA IV
Ela no vão da escada. Ele, deitado na cama, em seu tédio sem remédio, ouvindo canções que não se usa mais, valsas vienenses, bosques de imperadores, se esta rua fosse minha ah, eu mandava te buscar... foda-se, eu quero e gosto das canções antigas... ah, que tédio estes baticuns de hoje em dia....

Ela se levanta do vão da escada, borra boca de baton. Vermelho vivo, como a vontade de se entregar ao primeiro cara que encontrar pela rua. Ela se levanta e vai ao encontro do destino. Que destino? Ele, o cara do tédio sem remédio, das músicas que não se ouve mais do sexo selvagem que não tem a ver com paixão e com amor? Ele mesmo.
Ele, a esmo, sai da cama e se veste, feito um robô. Bota a bermuda. A cena muda.

CENA V
Um encontro romântico nos bosques de Viena ao som de strauss longos vetidos brancos rodopiando sonhos enquanto vampiros negros nosferatus e dráculas sobrevoam os salões guardiões do cara do tédio. Ele. Ela. Eles. E daí?
Daí, há de sair alguma coisa de concreto sangrando a cena, alguma carícia mais afoita, uma noite de prazer, duas ou três noites de trepadas, sim, e daí? A vida é só isso aí?
Onde ficam os sonhos, os devaneios, as buscas, a esperança, a estrada de tijolos amarelos e os castelos de sissi e o palácio de esmeraldas e os poderes do anel?
Onde os poetas podem colocar seus versos e seus segredos se não perdurarem sonhos e paragens outras, além, muito além?
Não podem.
Ele. Ela. Eles.
E ávida a vida é assim. Seca.
Nua. Crua.
Assim.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

MATE UM ANJO


foto Today by "brilho-de-conta"- flickr

I

Atenção: Foi visto, revoando sobre a cidade, um bando bêbado de anjos, banjos voadores espalhando música, espalhando pânico, espelhando medo: um bando trôpego de seres, de longos cabelos verdes, cantando canções antigas como diamantes virgens. Não há como escapar aos desatinos desta raça, que se reproduz como os insetos. Incertos serão os nossos dias e drásticos nossos rumos, se não matarmos os anjos. Não há como se enganar: são pálidos, brilham , à noite parecem estrelas e de dia flocos de algodão, nuvens vagabundas vagando no céu. E os cabelos são verdes, tão verdes que os olhos doem. Não olhem para eles. Seus olhos fosforecentes transmitem uma força mágica que transforma aqueles que os encaram. Arrebatam-nos para o seu bando, carregam-nos, alteram-nos.
Atenção: Se avistar um bando de anjos, ou mesmo um único anjo, não duvide: mate-os no mesmo instante. Não tente dialogar, pois eles são ardilosos e trarão, nos braços, cestos cheios de promessas e doces ilusões. Dançarão valsas antigas, cantarão cantigas de outros tempos, tendo ao fundo auroras boreais. Cantarão rocks e baladas de acridoce sabor, convidando à viagem: quererão levar-nos a passear em caudas de cometas, com destino a verdevermelhos campos de morango para sempre, e nos seus cabelos verdes banjos irão se tocar: banjos loucos irão se tocar, corda a corda, dessfechando mortíferas canções sobre nossas cabeças. E eles buscarão morada em nosso ser: serão ardorosos e quentes, apossando-se de nossos velhos corpos. Pulsará então, em cada esquina, em todas as esquinas, o coração, canção mais que cantada onde a vida se fez, se faz e se fará. Em velhos blues, o grito que jaz na garganta e o que explode no rock alucinado.
Atenção: armas estão sendo distribuídas, para que não sejamos destruídos. Informamos, a todas as pessoas responsáveis, que cabe a nós a defesa das nossas vidas, das nossas instituições. Não se deixem tentar, não ouçam seus cantos de sereias, ondinas chamando para a morte camuflada em vida e prazeres, vagando na espuma. Se virem os anjos, matem-nos. Nem sempre andam em bandos, por vezes voam sozinhos buscando seduzir aqueles que estão também sós, aqueles que vivem à procura de mais alguma coisa. A estes, apelamos: não há nada mais para se encontrar , tudo que é necessário encontra-se aqui, nada existe além de nossa esfera, tudo é ilusão. Não se deixem levar pelos anjos, que têm por missão corromper-nos e tumultuar nosso ambiente. Às armas! Não deixemos que invadam nossa intimidade, nem que nos toldem a vida. Matemo-los, primeiro! Ou eles nos exterminarão.

II

Onde a vida se fez, se faz e se fará, em cada esquina do mundo , no canto de cada poeta, na corda de cada guitarra, em cada uivo desesperado retumbando pelos quatro cantos da terra, dos céus e dos infernos, o anjo persistirá, e o banjo destruidor será tocado, tocando nossos corpos amortecidos com sua luz de grande intensidade. Serão ouvidos gritos repetidos, velhos blues voltarão pela noite, o rock alucinado pairando no ar como gotas, os velhos e novos cavaleiros quatro para sempre convidando a ver a vida que se encolhe sem jeito, não onde brotou o rock nem o grito desesperado do poeta, mas onde a mão incongruente traçou a linha e onde o grito fez-se ouvir, mas lancinante como o corte de espadas que calou as medusas líricas tísicas e pálidas: lembranças de lua, cadernos de viagem, domésticas alucinações: e o inferno pulsando, ao nosso alcance. E o céu, abrindo as comportas, convidando, convidando: A viagem no dorso dos poetas, dos profetas e dos mitos. O grito desesperado, a dor cortante, o céu e o inferno estão aí: os anjos sabem.

III

Eu fui tocado pela mão do anjo. Tu foste atingido pela luz do olhar do anjo. Nós nos transformamos, pela força da música que sai da boca dos anjos. Os anjos: suas mãos pálidas, seus longos dedos, suas noites de vigília. Sua insônia, seu momento criador, criaturas híbridas adensando-se na mente e no coração, ocupando o espaço, o tempo e a memória. Nós nos superamos quando, desobedecendo às ordens estabelecidas, encaramos os anjos, não com o medo a nós transmitido pela maioria, mas com a coragem de encarar coisas novas. Nós os resgatamos, do limbo a que estavam proscritos e os recriamos. Sim, encaramos e não nos arrependemos. Nós desobedecemos, comemos o fruto proibido, por isso somos e sabemos agora o porquê de tanto medo, de tamanha repressão. Os anjos incomodam, pela carga que trazem do novo; nós não tememos o novo, entretanto. Queremos romper as cascas, as couraças, ganhando novas alturas, sem medo das turbas e das tumbas ancestrais.
Nós não matamos o ano, nem por ele fomos mortos. Nós nos transformamos, e sabemos que dos ácidos verdes cabelos dos anjos, anjos outros hão de se criar, reperoduzindo a incoerência, fazendo crescer o não comum. E das valas da vida diária, destas valas apodrecidas em que temos vivido, um fulgurante brado surgirá rasgando a madrugada, quebrando as vidraças, destruindo para recriar. E os mortos gritarão, incomodados. Gritarão em uníssono, contra esta avalanche de coisa nova, de sangue novo que vem interromper seu sono de milênios.
Eu sei, nós sabemos.

IV

Eles estão conseghuindo. Estão conseguindo! Temos que nos mobilizar contra esta praga que a nós todos perturba. Estão roubando nossos jovens, que se rebelam e pregam contra nós. Eles são poucos, nós somos muitos, mas não estamos conseguindo! É necessário que acabemos com eles; para isso vamos intensificar a caçada. Não permitam que se aproximem, pois contaminam os locais por onde andam. Não há remédio para este mal.
A cidade inteira está em gritos, em pânico com a invasão dos anjos intrusos. Pelos inúmeros alto-falantes, espalhados pelos pórticos das moradias, a voz retumba, sonora e vingativa, clamando contra os invasores. Os habitantes abandonam suas casas, invadem as planícies, as montanhas, os topos das árvores e os fundos dos rios e do mar, procurando pelos anjos que podem assumir formas várias: são nuvens de algodão hoje, pássaros amanhã; ora são peixes, ora pedras. São frutos que se ocultam no mais alto das árvores, até vento são. E as pessoas abandonam suas casas, rumo à caçada, à árdua luta contra aqueles que estão em toda parte, onipresente ameaça. E a voz se eleva, cada vez mais soturna e áspera, conclamando ao extermínio dos intrusos. O que se vê então é uma incansável guerra contra tudo: florestas sendo derrubadas, nuvens bombardeadas, pássaros eliminados, peixes asassinados, pedras pulverizados. É a loucura coletiva que se apossa da multidão, destruindo tudo à sua volta, tentando livrar-se dos anjos, do feitiço dos cabelos verdes que geram diamantes e que convidam para aincríveis viagens cavalgando nuvens, que cantam de paradisíacos campos onde a poesia brota, cresce e se avoluma, transpirando pelos poros da vida, poema do dia a dia.

V

Eles, no entanto, reproduzem-se como os insetos e no pulsar de suas asas pulsa o sangue da vida, pulsa o novo: são crisálidas, grtávidas de luz, transformando os habitantes em fogueiras vivas. Dos seus cabelos verdes anjos outros hão de se criar, apesar da caçada insana. A idéia do anjo, guardada em sua pluriforma é a sua própria essência: não há como escapar à magia desta raça.

VI
Eu ouço falar de anjos, ouso falar de seus verdes cabelos e dos dimantes que brotam, virgens, de suas gargantas. E da luz irradiada pelos seus olhos. Além deles, o que nos resta? Uma cidade revolvida, florestas destruídas, rios secos, céus de chumbo, pássaros mortos, gente e gente cansada tentando eliminá-los. Numa luta inútil, já que eles não desistirão.

VII
Atenção: Declaramos cessada a temporada de caça aos anjos. Reconhecemos que nossos esforços foram inúteis;não há como detê-los e já não nos importa o que possa acontecer. Não sabemos que rumos tomar, sabemos apenas que incertos serão os nossos dias e drásticas nosssas vidas. Mas, definitivamente, não há como escapar aos desatinos e fascínio desta raça, que se reproduz como os insetos, derramando sobre nossas cabeças imagens candentes de sonhos, que há muito havíamos suprimido. Resta-nos apenas o retorno às nossas habitações, sentindo no ar este acre odor poesia e de música, penetrando em nossas carnes como adagas frias e impiedosas: estas marcas do anjo.



sobre a obra
texto escrito em 1983, inspirado por um grafite " Die Angels" e por um verso de Rilke, in " Elegias de Duino"

"Quem, se eu gritasse, eentre as legiões do Anjos me ouviria? E mesmo que um deles me tomasse inesperadamente em seu coração, aniquilar-me-ia sua existência demasiado forte. Pois que é o Belo senão o grau do Terrível que ainda suportamos e admiramos porque, impassível, desdenha destruir-nos? Todo Anjo é terrivel. E eu me contenho, pois, e reprimo o apelo do meu soluço obscuro"

terça-feira, 16 de setembro de 2008

TRINDADE SACRATÍSSIMA


Cérebro/cerebelo
Fonte/ponte
Entre o ser
E o belo.

Cérebro:
mente,
Espírito
Cons-ciência

Trindade
Sacratíssima
A reger
A vida.

sobre a obra

O homem como um todo, todo homem como ser único, corpo,mente e espirito em perfeito equilibrio a reger os elementos.

sábado, 6 de setembro de 2008

SEDA


Ny-lon - Flickr/vanMagenta


Entre as dobras do tempo
eu me dobro.
Entre suas fendas
me escondo.
Sob as ondas do tempo
soçobro
qual partícula de areia
intangível
que se dilui no turqueza
das águas.

Ah! As águas do mundo
me embalam
e me embolo, qual feto
aturdido
aos primeiros frêmitos
da luz.
...
Ah! Mundo, mundo, mundo,
como são várias
suas leituras
e possibilidades!

Onde me dobro,
onde mergulho,
onde me encolho,
Onde me escolho,
Onde me acolho?

Onde guardar
meus fardos
meus fados
meus dardos
E meus casulos
que antecedem a seda
mais fina,
e a renda
mais perfeita?

terça-feira, 26 de agosto de 2008

FRACTAIS




Eis-me aqui
em carne e verbo
inteiro
e dividido
em milhões
bilhões
de fractais
de sombra e luz.

Eis-me aqui
caleidoscópio
de caos e ordem
na tábula rasa
das primitivas
emoções
universais:

decifra-me!
ou te devoro,
poesia!

sobre a obra
um nanopoema sobre o macro e o microcosmo.

domingo, 3 de agosto de 2008

ILUMINURAS


Há que se descobrir
nas entrelinhas
o sentido táctil
o tato oculto
de todas as palavras.

Senti-las nas mãos
rolá-las como seixos
como peixes,, amá-las
na clareza do aquário.

Perceber, com os lábios,
suas texturas,
tessituras acridoces
de frutas maduras
e mordê-las
sorvendo sua carne:
sumo prazer.

Na pele, acariciá-las
como flores no cio
em orgasmos líricos
lúbricos lírios
alvos
a corar no gozo
do pleno entendimento.

Há que se desfolhar o poema
Há que se amá-lo
como se fora
o último sobre a terra
como se fora
o primeiro
e derradeiro amor.

As palavras estão vivas.Pulsam
nos veios do papel.
As palavras tem veias, seios,
sexos
e querem de nós muito mais
do que simples toques,
de comuns mortais.

Querem nosso mergulho
irracional
incondicional
sem escafandro
ao fundo do seu mar.

Descobrir sutilezas
e deslumbramentos
como nácar de pérolas
e iluminuras de corais.


sobre a obra
As palavras estão vivas, pulsam, clamam por nosso mergulho em seu mar interior.

terça-feira, 15 de julho de 2008

terça-feira, 8 de julho de 2008

À SOPHIA


foto "A chair" de luiznavarro/Flickr

Instante

Deixai-me limpo
o ar dos quartos
E liso
o branco das paredes.
Deixai-me com as coisas
Fundadas no silêncio.

Sophia de Mello Breyner Andresen
De "Livro Sexto II" (1962)



Em silêncio
contemplo a quietude
a beatitude
das coisas claras:
o sol adentrando
os quartos
e espantando a noite
desenhando nas paredes
mosaicos de luz.

As paredes brancas
são meu espelho
a transparência
da minha alma

O silêncio murmura
em mim
suas exigências:
estar assim
mudo
assim
quieto
assim
zen
assim sem
sobressaltos.

Como pássaro
no raro instante
do pouso.
instante


Um poema-tributo à poeta portuguesa Sophia Andresen

domingo, 6 de julho de 2008

BARROCO


Sou um poeta barroco
e pendo
entre céus e infernos
entre verões e invernos.
Navego
cego
no brilho opaco do olho.
Colho flores do espírito
nos jardins do Eden
e frutos sensoriais
nos rastros da serpente.

Sou barroco
e me entrego
aos prazeres do corpo
buscando saciar a alma
que derrapa, inconseqüente
entre o quente da carne
e a calma da chama
que arde, eterna.

É terno meu caminhar
mas são volúveis meus passos
que passam
às vezes lentos
às vezes tensos
entre vicios e virtudes
entre luzes e sombras
numa zona cinzenta
de idéias indefinidas.

Oscilo
entre o vazio e o pleno
entre o puro e o obsceno.
Aceno
ao ubíquo
e ao ambíguo
desejo obliquo.
Divago
entre a superfície e o fundo
entre o agudo e o obtuso.
Intruso
indecifro-me
no âmago da escuridão
buscando as imensidões
da sombra e da luz.
Sou paz, sou pus
componho-me e decomponho-me
numa antítese imperfeita.

Em um mundo óbvio
sem mitos e metáforas
sou palavra em transe
transmutando-me
em multiplicidades.

Sou um anjo torto
de asa quebrada
e sorriso morto
sem norte, sem porto.

Sou anjo barroco
que sobreviveu
às intempéries
e que busca um caminho
um destino num mundo
onde anjos já não tem vez
nem voz.

Bsb, 06/07/2008 sobre a obra

segunda-feira, 19 de maio de 2008

MANTRA

s OM os
s UM us.
E em nós,
húmus
nus,
a poesia do cosmo
faz-se em luz.


sobre a obra
o homem e o universo, num abraço cósmico, num poema de múltiplas leituras.

terça-feira, 13 de maio de 2008

O PASSADO NÃO PASSA

Hoje acordei meio down, deixando as memórias afluírem em mim como geisers lá do fundo da alma, lá dos cantos recônditos do coração. Estive pensando, engraçado como o passado não passa, ele é como um rio circular, cujas águas correm, ciclicamente, ora em redemoinhos, ora em calmarias, refluindo todas para os mesmos lugares: as nossas vidas.

Sim, esta imagem do rio circular não me sai da cabeça, yin e yang, a cobra mordendo o próprio rabo, o oito do infinito, tudo, tudo, refluindo, voltando, tudo armazenado em nosso cérebro, este computador poderoso de não sei quantos milhões de gigabytes.

É, a memória é mesmo essa arma poderosa, e as lembranças e saudades são sua expressão mais bela...Falando assim , vou deixando fluir o meu rio interior, lembrando-me de tantos fatos, mas principalmente da vida ao lado do meu pai, Antônio de Abreu Lima, que já se foi há quase dez anos... Dez anos que parece não passaram, são as eternas ondas, as eternas águas do rio... uma vez escrevi um poema onde eu dizia:

Minha memória é um rio
De onde fluem as lembranças
E as emoções
É o porto onde me aporto
É o laço onde me aperto
É o leito onde desperto
Das minhas indagações.

Meu pai era uma figura ímpar, de um beleza interior rara. Para ele, não havia problemas que não pudessem ser resolvidos, não havia pobre ou rico nem preocupação com aparências. Ele cuidava de todos e atendia a todos da mesma maneira, a todos dava sua atenção, contava seus casos de mineiro, dedicava seus dedos de prosa e cantava suas marchinhas que ele adorava compor e cantar, a todo momento, quando encontrava audiência disposta a ouvi-lo.

Ele era um poeta, desses que viam poesia em tudo, para quem a vida era uma festa constante e que valia a pena viver a cada segundo. Lembro-me de quando eu era pequeno, e ele me contava estórias engraçadas, de festas a que ia na roça, e que na volta vinha trazendo docinhos e comes e bebes para nós, crianças que havíamos ficado em casa, mas que foi atacado por uma onça, na trilha, ou por uma cobra, quando atravessava uma ponte, e que as guloseimas caíram e que nós ficamos na saudade.

Lembro-me ainda de momentos mais distantes, quando ele cantava para mim, que ainda era pequeno, canções de ninar que ficaram na minha memória e que não esquecerei jamais. Havia uma que dizia assim “ O porquim chinês, o porquim ladrão, o porquim dourado foi-se embora pro sertão”. Outra, cantava “ Balão custa dinheiro, dinheiro custa ganhar, arreda papai, arreda mamãe, deixa o meu balão passar”.

E passaram-se os anos, e a gente cresceu. Colégio, depois o primeiro emprego, e a saída de casa, para morar na capital. Meu pai, sempre cuidadoso, sempre zeloso. Quando eu voltava a vê-lo, semana sim, semana não, ele sempre me esperava no ponto de ônibus, na chegada, sempre me levava ao ponto, na despedia. E era um carinho assim inusitado.

A gente foi crescendo, a vida passando, faculdade, idade madura, namorada, casamento, filhos, para o meu pai eu era sempre o seu menino. E ele adorava me elogiar com seus companheiros, contava do filho trabalhando em Brasília, num bom emprego. E adorava a Terezinha, minha esposa, e ainda brincava com ela, dizendo-lhe que quando ela havia nascido, a mãe dela Dona Rita e ele haviam combinado que nós dois, os filhos, estávamos destinados um para o outro, e que nos casaríamos um dia. E dizia para ela: Você é minha nora favorita.

Eu tinha com meu pai uma simbiose perfeita, uma comunicação não verbal, de alma, pois eu sempre gostei de meditar, de divagar, de escrever, de poetar, desde lá dos finais dos anos 60. Sempre adorei música, e meu pai era ligado também na poesia e na música, mas de uma forma muito popular, nada sofisticado nem erudito. E nós juntávamos nossas vozes, diversas vezes, e cantávamos juntos, e eu gravava cassetes em que ele e eu interpretávamos músicas de serestas, como “Elvira escuta”, “ É a ti flor do céu”. Com ele, aprendi um monte de músicas antigas, Carlos Galhardo, Dilermando Reis, Vicente Celestino, e outros mais.

Sempre quando eu ia a Alvinópolis, sentava-me e cantava com ele e meu tio Francisquinho, que era nosso vizinho. Como era bom a gente junto ali, cantando, contando casos... Ah, se o passado não passasse! Porém, o tempo vai passando e a gente nem percebe, ou nem tempo para reparar na sua passagem.

Meu pai foi ficando mais velho, meus filhos já estavam crescidos, e de repente ele começou a fraquejar. Depois de uma cirurgia de catarata, quando teve que tomar vários remédios para não ocorrer infecção, começou a reclamar de vários problemas. E começou ali o seu definhar, o seu murchar. Tonteiras, às vezes tombos, e já aquele ar desligado de quem aos poucos vai penetrando outras esferas, buscando talvez se acostumar com a idéia da partida.

Lembro-me até hoje da última vez que o encontrei com vida. Foi num julho, de 1998, quando fui visitá-lo, nas férias. Passei alguns dias lá, e no dia que vim-me embora ele foi, como de costume , levar-me ao ponto de ônibus. Estava feliz, mas senti nele aquele estranhamento, aquele olhar já perdido no infinito. E viajei preocupado. Engraçado que foi naqueles dias que tirei as últimas fotografias dele em vida. Não me esqueço nunca de vê-lo em frente ao espelho, arrumando o cabelo, ajeitando o bigode, e acertando o chapéu, para que a foto saísse legal. Tirei diversas fotografias dele, mas uma delas, daquele dia, acompanha-me até hoje, ele com seu indefectível chapéu, de perfil, foto que ampliei e coloquei em seu túmulo, grande, colorida, como grande e colorido ele foi em vida.

Meu pai morreu num dia de agosto, mês de triste fama, que para mim tornou-se mais triste ainda. Morreu no dia 4, e com ele enterrei minhas lembranças de infância, minha alegria de juventude. Para ele compus marchinhas, semelhantes àquelas que ele compunha enquanto estava vivo, cantei com ele diversas marchinhas, até fui co-autor em algumas. Compus poemas, buscando aplacar a dor que senti com a sua morte, dia em que chorei e sequei rios de lágrimas.

Realmente, meu pai partiu e levou consigo muito muito de mim. Vê-lo em cima de uma mesa fria de hospital, abraçá-lo, sentir a rigidez de seu corpo e a opacidade de seus olhos foi uma dor inominável para mim. Mas um duro aprendizado, de que a morte chega e não há o que fazer, a não ser aceitá-la e tocar a vida em frente.

Meu pai morreu já há quase 10 anos. Mas nunca me afastei dele; em verdade, nem ele se afastou de mim. Sonhos, foram diversos, de todas as naturezas. Sonhei com ele coisas quase difíceis de explicar como se fossem visões, em que me contava da vida do outro lado, sonhei com ele entre jardins, entre flores, também em situações mais complexas, mas sempre sua presença é uma constante em minha vida.

Hoje, eu sei que o passado não passa e é como um rio de águas circulares e concêntricas. As ondas vão se ampliando, se reproduzindo, mas cada uma sobrevive á outra e se justapõe, se sobrepõe.

Nos meus momentos de dificuldades, de inquietudes, de sofrimentos, mesmo de indecisões, estou sempre a recorrer à sua memória, à sua alma, pedindo discernimento e ajuda. E é um fato incomum, eu acho, sempre me vêem as respostas, as soluções, as ajudas, nunca fico sem respostas quando recorro à sua intercessão.

Meu pai e eu sempre tivemos essa simbiose, este partilhamento, esta intimidade. E a morte dele não interrompeu esta história, apenas colocou-nos em dois níveis diferentes.

...É, o o passado não passa, apenas as ondas se justapõem, se contrapõem, se sobrepõem. Mas jamais extinguir-se-ão, como jamais extinguir-se-á o amor verdadeiro, baseado na intimidade, na afinidade e no compartilhamento de duas vidas.

Brasília, 13/05/2008

Um texto em homenagem ao meu pai, ANTÔNIO DE ABREU LIMA, nascido em 1914 e morto em agosto de 1998, em Alvinópolis-MG, e que me deixou exemplos de vida singulares e lembranças inesquecíveis.

EM SILÊNCIO

Meu silêncio é minha estrada,
minha reta, minha meta,
meu discurso, meu percurso
nas névoas da madrugada.

E madrugando, caminho,
entre urzes,luz, espinhos,
urdindo a inspiração:

No lusco-fusco da tarde
sem barulho, sem alarde,
meu poema , como mar de
sargaços ou sempre-vivas
instala-se em meu coração.

E na mansa madrugada
prenhe de sonhos e promessas
nessas horas de desvelo
em que se enroscam os amantes
como fios de novelo
o poema agarra-se a mim:

enrosca-se, encosta-se,
e em resposta
recebe o meu breve sim.

13/05/2008

Poema sobre o verso:

Meu silêncio é estrela-guia
Quer cada verso inquieto
Quer ter o amor por perto
O olhar de sabre que fita

do poema " O silêncio" de
Nina Araújo.

sexta-feira, 9 de maio de 2008

O QUE SERIA?

O que seria das noites
sem seu cortejo de estrelas
sem os cantares dos grilos
e as luzes dos vagalumes
a iluminar seu negrume?

O que seria das manhãs
sem as orquestras de galos
anunciando as auroras
e tecendo cores novas
como tramas de arco-íris?

O que seria das tardes
sem alardes
sem os cantos das cigarras
sem crianças, sem barulhos
e arrulhos de pombos?

E o que seria dos homens
sem a lira, o delírio
e os lírios do poema?

Seriam todos mais tristes
todos tigres enjaulados
presos aos vãos
desvãos da miséria humana:
a poesia é que nos redime
desta sorte insana.

sobre a obra
Poema em homenagem ao poeta João Cabral de Melo Neto, inspirado no poema "Tecendo a manhã".

quinta-feira, 8 de maio de 2008

SAUVAGE

Inconsúteis teias tecemos
ao redor do inconsciente
como aranhas artesãs
antecipando as presas
das manhãs.

Não sabemos,porém,
quando surgirá a fera
que ruge
vomitando
ameaças e mordaças
sobre pássaros indefesos.

Às vezes, os pássaros
é que se transmutam em feras:
ver um bando de garças
a destroçar com os bicos
restos mortais
de pardais
dói, mas devolve-nos
dos píncaros
aos precipícios.

A inocência lírica da criança
brincando indefesa
brindando-nos com a beleza
de olhos de luz:
De repente, o pus.
o mal, o horrível
que se verte pela boca,
que escoa, que voa,
como agourentas aves
buscando rapinagens
inimagináveis
entre destroços.

Os líricos lírios
de alvura transcendental
crescem, viçam,
sobre o pântano fétido,
sobre o lodaçal.

E o bom selvagem?
Onde anda o bom selvagem
a imagem miragem de Rousseau?

IMPONDERÁVEL

O fio tênue que desfia a vida
e nos mantém aprisionados
como bêbados bailarinos
buscando o equilíbrio
no imponderável
é que nos cinge ao imaginário
cenário real.

O aço frio das noites
adagas impiedosas
cortam a carne:
hélices
ensandecidas.

O fogo dos verões
ferros em brasa
queima a pele solitária
sem anestesia.

Os barcos já se foram
ou sequer saíram
do cais.
A música já é finita
infinito é o desejo
de voltar atrás.

Mas, não há voltar atrás:
A vida segue, como o rio,
sinuosa , como arremedo
de réptil.

Amar é o remédio.
Que remédio?
Entre o salto e o mergulho
Entre o tiro e o alvo
Entre o vôo e o pouso
Pulsam as possibilidades.

Tua mala está aí. Toma-a
e parte rumo ao sonho
que inda é possível sonhar.

terça-feira, 6 de maio de 2008

PORTO

Onde aportei meu corpo
não havia porto
definitivo
e os ventos sopravam do alto mar
seus segredos incontáveis.

Meu corpo à deriva,
qual barco
me acolheria?
Minha alma a vagar
em ondas, onde anda
meu pensar?

Este porto em que me aporto,
esta porta em que me adentro,
este perto que é tão longe:
cisma a alma, sobre as águas
que em torvelinhos vão:

O mar é grande,
grande é o mundo,
enorme é meu coração.

Poema sobre verso do poema " Apoteosicidades"
André Teixeira · Aracaju (SE

segunda-feira, 5 de maio de 2008

AZUL ( sobre poema "No meio do caminho uma flor de lótus...) de Raiblue

Radioativo, meu espírito irradia azul
Desmancha céus de estanho
Nos castanhos olhos nus da madrugada”
RaiBlue



Meu espírito, perdido na imensidão
de um espaço blue,
vagueia, vagabundo, pelas madrugadas,
buscando o blues antigo, aquele blues
girando como ciranda, billie holiday
blue gardenia
que nos eleva, enleva-nos e nos leva
de volta ao caminho de Santiago
ao sagrado segredo
da diáfana e transparente
flor de lótus
A transmutar nossos chacras
em pura energia azul.

Azul, azul, translúcido azul
a nos trazer de volta
ao ventre do universo
ao tépido calor do verso
Que inda éramos,
antes de nascer.
azul luz azul, nirvanas prometidos
Paraísos visitados,
nas asas dos poetas,
viagens astrais:
eia, vamos pois, navegar nas águas
puras e serenas
Dos poetas viscerais
seminais.

Eia, vamos pois,
desmanchar os céus
de estanho,
de estranhos chamados
que não são para nós:
vamos lançar bombas de versos
sobre os céus de chumbo,
sobre os céus escuros
e seus significados obscuros.
Vamos rabiscar,
com o azul do lápis-lazúli
em nossos cadernos de estórias
de memórias.

Vamos lançar chuvas azuis
a reverter chuvas ácidas
de corações duros
e empedernidos
que não ousam ser.

Eia, vamos lá, converter
estes estranhos céus de estanho
em castanhos e perfumados
olhos nus da madrugada
entranhas da madrugada,
e vamos, ornados de flores de lótus
e de gardênias azuis
deixar o blues correr solto,
Sofrido, lírico,
trazendo-nos sensações de deja-vu:
Blue, blue, blues
Transforma todo o cinza
Em luz!!


Danilo de Abreu lima- Brasília, 31 de março de 2008.
sobre a obra
Um poema sobre verso do poema" No meio do caminho, uma flor de Lótus..." de Raiblue

quarta-feira, 23 de abril de 2008

EM FACE DO POEMA

EM FACE DO POEMA

O poema é errático
em sua busca de trilhas

O poema é herético
em seu derrubar de cânones

O poema é réptil
em seu rastejar na lama

O poema é erétil
ao festejar a libido

O poema é erótico
quando se joga na cama

O poema é elíptico
ao traçar sua trajetória
ao desenhar sua história.

Quando se entrega ao vício
do ofício
O poeta é manancial
é um cipoal de palavras
entre urbes, entre urzes.

Entre sombras e luzes
o poeta é barroco
e meio louco
é do tudo um pouco.

A poesia urge
e o poeta ruge.

sábado, 19 de abril de 2008

TRANSITÓRIA PERMANÊNCIA

Sou poeta. E por ser poeta canto
a leveza do fardo,
a beleza do cardo
do mar
do fogo-fátuo
que exala formas no ar.

E canto enquanto vivo.
Canto a beleza do instante
mutante,
inconstante,
do incessante vir a ser.
Canto o transitório
e o transe dos amantes
lapidados diamantes:
canto os laços desfeitos
e os liames que virão.

Não gozo gozos aflitos
nem sofro horrores.
Sou calmo. Sorvo pranas,
sou zen, sou sem destino
no mundo.

Por isto tudo é que canto.
A canção é para mim,
para ti, para nós,
canção sem fim.
Canto canções
da transitória permanência,
essências de vertigens
e caminho contigo rumo ao novo,
ao velho, ao novo
romper do ovo,
buscando transcendências
e inconfidências
contidas em corpos e almas
para confundir as mentes.

Por isso, canto. A beleza do verso,
a fúria do verso,
a flor do cume e o lírio do lodo,
o tudo e o todo,
o inútil e o passageiro.
Amanhã, na manhã, posso ser nada,
Posso ser nódoa que fica
na folha de papel.
Mas não importa. Enquanto eu vivo,
canto,
e teimo em buscar o céu.

Brasília(DF), 19 de abril de 2008.


sobre a obra

Poema inspirado pela obra magnífica da grande Cecilia Meireles, poeta modernista que cantou o efêmero e o transitório da existência e do também grande poeta Walt Whitman, americano, romântico moderno, naturalista e telúrico, que cantou a grandeza e a beleza das relações humanas, do homem na natureza e da benesse divina da vida humana, em sua plenitude como criaturas

sábado, 12 de abril de 2008

ÀS POMBAS

ÀS POMBAS
Na madrugada sanguínea
e avermelhada
por bombas e mentes
dementes
voam bandos de pombas,
em revoadas
fugidas de pombais
inexistentes.
As pombas da paz revoam
ares revoltos
farfalhando barulhos e arrulhos
nos frios de julho.

A paz, que a bomba transforma em pós,
jaz aos pés
é pus,
é nada,
é nódoa,
na manhã desta doce madrugada
acinzentada.

Assim como os sonhos,
enclausurados,
antes, nem sonhados,
além de abrigos
blindados,
não encontram guarida em corações
emparedados, empedrados,
também a pomba, bamba de terror
ante a bomba que a desfaz
em sinfonia de medo
no sangue e cor em que jaz
ao pombal, não voltará
Não voltará. Jamais.

sobre a obra:
um poema parafraseando Raimundo Correia ( de quem sou leitor assíduo), uma releitura das pombas(bombas) da paz, que sobrevoam e explodem em nossas cidades. As pombas aos pombais, e a paz? Nos jornais?

ESTA BOCA QUE TE AFAGA

O homem, lobo do homem,
fera entre feras,
perdido nas estrelas,
embriagado entre vãs atmosferas
não sabe se beija ou se morde
a boca que o afaga
não sabe se é carinho ou vício
a mão que o esmaga.

Nem de si o homem sabe, perdido
entre seus iguais.
E o peso de constelações
de constatações
e de contrições siderais
o aniquila
sem que possa ao menos
a pulmões plenos
gritar sua dor
em uivos primais.

O homem, lobo do homem,
Narciso, ego,
nega, nega
sua vã filosofia:
E se acredita mágico,
lírico cântico
como lírios brancos
ao cair da tarde
mas arde: de volúpia,
de gula animal
desejos irracionais que o arrastam
à lama, que renega.

Esta mão que te amordaça,
esta boca que te afaga
é o peso que te esmaga
é a força que te cala
que te encerra nesta cela
que tu próprio és.

sem quimeras, sem quereres,
sem ilusões de grandeza.
busca, na paz da poesia,
entender tua triste condição:
ser humano que és, pleno
de penas e contradição:
A Busca, amigo, nesta viagem,
que é miragem,
de um caminho
De libertação.

Brasilia( DF), 12/04/2008

domingo, 30 de março de 2008

PROPÓSITOS

Melhor atirá-las
a esmo
na pedra erma,
no pó,
sem eira,
do que vê-las,
brilho fosco,
viço tosco,
a fenecer
entre urzes,

Melhor deixá-las
medrar
sem medo
nos meandros da memória
do que atirá-las, frágeis,
nas cânulas das sarjetas
em túrgidas e frágeis mãos
daqueles que passam
em vão.

Melhor guardá-las
embrulhadas
em papel de seda
sem sede de aspergí-las
feito água
que não refresca nunca.

Melhor tecê-las
em casulos herméticos
e mantê-las
para deleite
em mantras das madrugadas
quando as estrelas
despencam do infinito
como balas de alcaçuz
e o sol ainda é promessa
de um brilhante
grito de luz.

sábado, 15 de março de 2008

FÁBULA




Pois eu danço
E bebo e canto
Até que brusca mão
Me espanta.
(William Blake – A Mosca)



Eu, pecador, absoluto em meu pecado, todo poderoso construtor dos meus desvarios, confesso-me a mim. Persigno-me, persigo-me, prossigo nesta impossível impassível jornada, trama indecifrável. Eu, pecador, crivado pelas setas e espinhos da dúvida, indivíduo no mundo, persigo meu sonho. E meu sonho intromete-se em minha vigília, soltando no ar os seres que povoam minha mente.

...Assim estava, assim pensava ele, abandonado ao tépido calor daquele vinho, naquele fim de tarde, jogado sobre a poltrona, quase a dormir, naquele profundo retalhar de coisas antigas, de crenças antigas, naquele ato de dissecar as próprias dúvidas, a própria vida.
De repente, ouve um zumbido e o barulho de vida próximo a ele. É uma mosca, que ronda o ar, ao redor da fruteira. Ali estão as peras, que adormecem e apodrecem seu marasmo , lassidão, solidão e abandono. A menos que uma mão faminta tome-as, levando-as à boca para saciar a fome, elas ali permanecerão, eternamente em seu marasmo, apodrecendo.
Ele observa a mosca, que zumbindo em círculos aproxima-se da fruteira. E se admira ao ver seu vôo bonito, concêntrico, o brilho refletido em suas asas azuis quando o sol rebate nelas diretamente. Acompanhando com o olhar vê quando ela, finalmente, pousa sobre as frutas. Como que magnetizado, sente-se penetrar na realidade daquele inseto, que agora passeia sobre a superfície dourada da pêra; ele agora é a própria mosca e passeia sobre a fruta, sentindo toda a carícia do veludo sob as patas, a tepidez dourada provocando arrepio nos pelos.

Prepara-se para sugar todo o seu sumo, sua seiva. E exatamente quando começa a gozar as delícias de sua empreitada, desvia os olhos para cima, deparando-se com um magnífico azul violáceo , um sol que a convida a viagem rumo a outros ambientes. E ela imagina milhares e milhares de novos frutos, antecipando delícias de paraísos inimagináveis. E se divide: não sabe mais se se entrega ao doce ofício de sugar a seiva da dourada pêra ou se levanta vôo em busca de outras paragens. E se debate entre, e se confunde, não percebendo a pesada m~´ao de alguém que se abate sobre ela, que agora está tombada, inerte sobre a fruta.

... Quando sentiu a tragédia, voltou a ser ele próprio, sentindo as forças esgotarem-se nos estertores da morte. Novamente é ele o observador, e observa a cena: as peras continuam na fruteira, no mesmo lugar a mesa e a toalha, as flores, a sala, ele e seus olhos. Tudo permanece, como sempre, apenas a mosca está morta e já não faz mais parte do ambiente. E no entanto, nada mudou. Todo o conflito que viveu, todo o seu angustiante dividir-se, tudo é acabado. O mundo permanece, indiferente à sua morte, à sua queda. O seu pequeno mundo, feito de uma sala, de uma mesa e de uma fruteira cheia de peras, que continuam adormecidas, apodrecendo sua solidão e seu marasmo nas tardes quentes.

Silenciosamente, pé ante pé, como se cumprisse um ritual, ele se levanta e se aproxima da fruteira. Com a ponta dos dedos retira cuidadosamente o inseto, e sem uma sombra de qualquer sentimento no rosto, atira-o na cesta de lixo, seu último reduto.
Eu, pecador, absoluto em meu pecado, todo poderoso construtor dos meus desvarios, confesso-me a mim. E jogado sobre a poltrona, nestas tardes monótonas e quentes, pressinto e antecipo a queda da próxima mosca, e o ranger de dentes das peras, deixadas solitárias na fruteira.

Do Livro “ O DEVORADOR DE PALAVRAS” -Brasília, 1982

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

SEXO DOS ANJOS

SEXO DOS ANJOS

Sobre as cabeças dos anjos
perdidas tiaras hão de brilhar
na noite
lúcida
e lúdicos jogos serão jogados nas varandas
varando a madrugada.

Nas janelas que passam incólumes
e nas pessoas que ficam
e fiam fios infindáveis
urdindo tramas
e tramando urtigas
antigas formas hão de se esvair, por entre os dedos,
por entre os dados, dardos sutis e envenenados
lançados ao longe, a perfurar têmporas frouxas
de homens tolos, de mulheres lúbricas
que no calar da noite se entregam aos desleixos
e aos jogos soturnos noturnos seixos
do sexo engaiolado.

Não como os anjos fazem.
Não como os anjos
que gozam o gozo puro, o gozo etéreo,
sem estertores sem gritos estridentes
entre dentes cerrados. Não.
O gozo fluídico e mágico destes anjos
não retine na noite feito copos,
feito corpos
de humanos entrelaçados. Não se exibem nas janelas
nem se entregam às orgias.
Fiam fios e urdem tramas
sem dramas em camas desfeitas.
Enfeitam os cabelos
com tiaras, e brilham nos seus olhos
diamantes cristalinos, com o brilho de mil sóis
reluzindo, rouxinóis aveludados nas gargantas,
vocais acetinados, seda pura.

Sede puros
como os anjos
são.

NÃO CHORE, BABY!

Não chore, baby!
O que nos resta senão arrancar
Deste solo árido
Esta impossível flor
Feita de pedra e cor?
O que nos resta, senão viver,
Pressentindo na entrelinha
O contínuo desfazer?

...Olho teu rosto claro e este sorriso largo que faz vibrar os teus olhos, emoldurando teus lábios. Na cor deste teu sorriso vejo a dimensão dos sonhos, dos loucos sonhos que inda em vão sonhamos.

...Cabem nele velhos e longos dias de espera e encantamento, os velhos sonhos reamanhecidos em cada manhã de névoa.
Neste teu sorriso largo cabe o mundo de brinquedo, com que brincamos um dia, pensando em inconseqüências, quando as manhãs eram promessas, as tardes longas esperas e as noites brilhos de estrelas. Varávamos a noite a dentro, em ritmo alucinado. Tudo era festa, então, tudo era festa.

O que nos resta, senão este acre sabor
De coisas que não sabemos mais?
Já não sabemos a sonhos
Nem a luzires de estrelas
Nem a madrugadas densas
Prenhas de luz
Que hoje nos trazem marcas
Do tempo, animal medonho
Que não soubemos domar.

...E o sonho já não cabe na palma de nossas mãos. Seremos hoje áridos arremedos de nós mesmos, nesses medos ensimesmados?
Mundo, mundo, mundo,
Seremos eternamente enigmas de nós mesmos
Esfinges de nós mesmos
Devorando-nos as entranhas?

SENTIDOS DO AMOR

Assim se ama o Amor:
com todos os sentidos
em todos os sentidos
ama-se o amor.


Ama-se o amor com o olfato:

os cheiros que inebriam
que revolvem as memórias
os perfumes, os fluidos,
o navegar nos momentos
esquecidos.

Ama-se o amor com o tato:

suprema dádiva,
prazer absoluto
quando se toca o corpo ao seu lado
toca-se a música ímpar
das essências
como veludos
de hortênsias.

Ama-se o amor com o olhar:

olhar dentro de outros olhos
flutuar em outras íris
arcos negros sobrancelhas
é acender as centelhas
do fogo que acende os corpos.

Ama-se o amor pelo gosto:

O saber o sabor
O paladar
Gosto novo a cada vez
Que a boca passeia
Anseia
Pela pele pelos poros
Bocas nuas:
Minha, sua




Ama-se o amor com o olhar:

Ver o visto, o não visto,
O imprevisto no escuro,
o vislumbrar de um futuro
o derrubar de muros
o passear, como cegos
egos.
Ver, antever, prever,
O jeito de amar
em cada curva
Do olhar.

Ama-se o amor
com o sentido sexto:

aqueles quereres não querendo
aqueles estares não estando
aquelas sensações
que não se sentem.

Ama-se o amor assim:

apaixonadamente,
em cio,em flor, em semente
incontinente,
navegando em suas águas
perdendo-se em suas ilhas
prendendo-se em seus cabelos
novelos, desvelos.


Aprendendo a reinventar
O gesto feito de vento
O verso sutil, transparente
Como teia de aranha.
Ama-se o amor
com o sentido sexto:
aqueles quereres não querendo
aqueles estares não estando
aquelas sensações
que não se sentem.

Assim se ama o amor.

TRIPTICO

I
MANHÃ

Cristais de quartzo
refletem, no espelho
a luz em cacos
e se repetem,
em mosaicos
sobre corpos nus
de amantes lassos.

Neste lapso de tempo,
nesta fresta,
nesta fenda de espaço,
neste passo lento, tento
instantâneo,
congelar o momento,
gravar o instante
de brilho raro.

Busco o fio inconsciente
e inconstante, me teço
em tramas, em trêmulos gestos,
em dramas, em inúteis gostos:
o nada
o tudo,
mudo me encontro
perdido, no encanto
desta manhã iluminada.

II

TARDE

Arde a tarde
sem alarde.
Um mar de
esmeralda
desfralda franjas
e escarpas
por onde escapa
num curto segundo
a espuma branca
lembrança
de eternidades
de ir, de vir,
de ir, de rir.

Num céu tonto de azul
vagam gaivotas
grávidas de luz
ávidas de sol.

E na linha do horizonte
dançam trêmulas
memórias enclausuradas
em conchas de caracóis:
memórias: matéria de sonhos,
de luas, de sóis.

III

NOITE

No negrume
o lume se insurge.
Negra noite
açoite
de verbos, de versos.
Corpos ardendo, vagando à deriva
em planos, oceanos
nunca dantes
navegados.

Negra noite
negra fonte
onde amantes se deitam
em pares
ou ímpares
os únicos pairam
insípidos, afoitos
sobre a própria carne,
cerne das delícias.

Noite,
como escrava
escava memórias
revela histórias,
revolve lembranças.
Revólver na noite
revolver a vida
e num único ruído
romper a corrente.

Flui a noite,
como emblema
dos corações empedrados.
Noite. Caverna dos medos,
dos modos, dos mudos
amantes
e dos desesperados
seres solitários.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

MIL NOVECENTOS E SESSENTA E TANTOS

Mil novecentos e sessenta e quatro.
Mil novecentos e sessenta e tantos
motivos para fazer poesia,
azia, antro, pó,
fagia.
Mil novecentos e sessenta e tantos
cantos, escondidos nas coxias,
atrás das cortinas, sob neblinas,
nas entrelinhas.

Faca amolada, tesoura cega
cortando o sonho, matando
a sanha dos resistentes.
A senha, qual é a senha,
qual o sonho que se esconde
atrás de portas fechadas
fachadas de aparência
onde se tramavam lutas
onde se urdiam tramas
dos novos inconfidentes?

Mil novecentos e sessenta e quatro,
sessenta e cinco, sessenta e seis,
sessenta e tantos, e tantos a arder
no fogo, no jogo do não deixar
morrer o sonho e a vontade
da liberdade roubada. Cortada.
Cassada na noite. Caçadas na noite,
calçadas atropeladas
por tropéis de ensandecidos.

E a poesia resiste. Insiste. Persiste.
Mostrando em seus labirintos
o oco do mundo, o podre do mundo,
o fundo do odre, o opaco, o ocre,
o acre cheiro de mofo
dos porões.
A Poesia: azia, acidez, na aridez
no deserto das idéias,
nos oásis dos ideais,
transmutada em linhas tortas,
curtas, fartas, toscas, foscas,
brilhando nas entrelinhas
qual estrelinhas
aos olhos que sabem ver.

Palavra atrai palavra
na mão do poeta anônimo:
palavra que é ferro e brasa
palavra que é freio e farra,
que vai à forra, que diz de brisa
e de tempo novo, e que avisa,
um dia inda vai chegar.

Mil novecentos e sessenta e quatro
e tantos e quantos e santos
motivos para fazer poesia
para lutar contra a noite
querendo engolir o dia.

Mil novecentos e noventa e tantos:
quantos cantos, tantos prantos
já passados.
E a poesia resiste
como esfinge, ainda hoje,
Não à aridez dos desertos
de então,
mas à acidez deste tempo
mal passado
de desespero, de vazio
e solidão.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

MAR SECRETO ( uma releitura)

Se a espuma que
Irrompe do nosso mar interior
em cólera
extrapolasse os sentidos
escancarando essa dor,
a dor que ascende, calma,
dos recônditos da alma:
Arma cega dos mortais
jamais.

Se tudo que nos devora,
se as bestas interiores
Em seu galope trôpego,
em tropéis agalopados
aflorassem, como as ondas,
de um mar secreto, revolto,
envolto em névoas, neblinas,
em redomas espumantes
nunca dantes entre dentes,

O coração pararia, num instante,
solto no ar, (como um lancinante
ato de mergulhar).
E buscaria, no seu âmago,
amargas lembranças ancestrais
da cólera, que se esfuma no ar.

Ver através da mascara,
mascarar a face,
mascar, num ranger de dentes,
aquilo que se tornasse
dor, e sem piedade se entregar
à fera
que nos devorasse.

Ah! Mares interiores,
secretos mares
de ondas seculares,
barulhos ensurdecedores
que só se ouve quando se está só:
Rimos, rimos, rimos,
Buscamos rimas, rumos, pranas, prumos,
Nortes,sortes, mas no fim do caminho
Só o fim do caminho:
o fim.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

POETAR

POETAR

Poetar não é sofrer
e descrever as dores em sonetos
Poetar não é amar
as redondilhas, rimas e versos brancos
Poetar não é se ilhar
em metáforas exaustivas..

Poetar é dizer o indizível
com signos a inventar
é buscar a imagem
inimaginável
o sentimento inefável
é saber medir
o incomensurável
e trilhar os caminhos
ainda não abertos
ainda incertos.

Poetar é sonhar o sonho
ainda não sonhado
é navegar por mares
inda não desbravados
é tornar em palavras
lugares imaginados.

Poetar é ser o ourives
que cria a jóia rara
para
num rasgo de emoção
ofertá-la
ao desvario
de um coração.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Efêmero


Olho a flor no jardim

em sua beleza insolente:
pétalas frescas, cor radiante,
no esplendor da semente
e antevejo o efêmero do belo:
neste instante, gelo,
ao pressentir o transitório
da existência
o findar-se da essência
pois ali ao lado, no mesmo jardim,
outra flor fenesce, esvaída em cinzas
cores esmaecidas, estames apodrecidos,
a pender da haste, aguardando o fim
numa via-crucis
bela, mesmo que cruel:
uma, já pende à terra
a outra, ainda se estende ao céu
sem saber que tudo finda,
quando vai-se o véu.

de palavras

Como um poetantigo
eu quero o cristal da palavra:
larva
de todos os sentidos
de todos os segredos.
Palavra: arma que lavra
na lavoura inóspita
a terra revolta
buscando a semente
do vir a ser.
Palavra: lava, vulcânica lava
que lava, que leva, enleva,
e como luva se enrosca
em novelos
nos dedos
dedais metafísicos
indicando os caminhos
os escaninhos das lembranças.
Palavra: faca cortante, adaga afiada,
espada de samurai
que decepa cabeças, que subverte sentenças,
que absorve cadências
de notas e estrelas cadentes
de desejos ocultos.
Palavra: suma delícia
da última flor do Lácio
Palavra: a ti, poeta,
sua força e sua garra:
esta a guerra da palavra:
lavrar, mesmo que em solo infértil,
nova lavoura de idéias.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

mil novecentos e sessenta e oito


mil novecentos e sessenta e oito
tinhamos dezoito
anos
incensos, panos indianos,
camisas abertas , flores no peito
e o jeito manso de quem sonha
com outros tempos.
éramos tantos, éramos tontos,
éramos cantos encantados nas esquinas
sonhando com canções alucinadas
éramos sonhos, éramos hippies
mas...
como passam as águas rápidas do rio,
como passa o calor e passa o frio,
como passa o inverno e também passa o estio,
como passa a força e o despertar do cio,
como passa o cem, como passa o mil,
passaram-se logo os dias
atropelando os sonhos,
insanos,
pacificando as sanhas,
tornando calmas as ondas,
onde andas? onde andas?
hoje sentamo-nos à beeira dos abismos,
andamos nos fios das navalhas,
buscando um ponto qualquer de equilibrio
neste mundo insosso..
que fazer? nada a fazer
a não ser
sair, prá ver o mar.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

vida vida vida

vida vida vida onde e em que canto
eu te encontro e te perco?
onde me encontro e me perco
se nem sei de mim, se se perder é se achar
pro mundo
ou se se achar é como se agacharnaun canto
quadraddo qualquer, sozinho qualquer, sonhando
qualquer sonho!
vida vida ah! vida... quanta poesia é em ti,
nos caminhos descontruídos, nos descaminhos traçados,
nos ultrajes,nos rituais de passagem,
quem de si sabe algo,sabe algo?
ah,que bom se pudéssemos beber da fonte
das águas frescas
aqui e agora
sermos mais.

Vida vida vida

terça-feira, 15 de janeiro de 2008

com estes olhos de criança


A noite adormece nos quintais
enquanto
o espanto estanca o sangue
e os beijos dos casais
como camisas estiradas aos
ventos, nos varais
varados de roupas e de loucas
memórias, promessas,sem pressas,
sem presas em tesaslembranças
de passados, que passam nos beirais
vagando em águas, em éguas, em ínguas,
em lindas linguas, vorazes,
a devorar os velhos jornais
os velhos novelos de novelas
iguais
jamais, nevermore,
adeus!
não te verei com estes tristes
olhos de criança,
nunca mais!

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

poesia no dia a dia

Eu te quero, poesia!
entre meus braços,meus olhos, minhas pernas,
eu te quero, poesia,
crua e avassaladora
em nmim!