quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

SEXO DOS ANJOS

SEXO DOS ANJOS

Sobre as cabeças dos anjos
perdidas tiaras hão de brilhar
na noite
lúcida
e lúdicos jogos serão jogados nas varandas
varando a madrugada.

Nas janelas que passam incólumes
e nas pessoas que ficam
e fiam fios infindáveis
urdindo tramas
e tramando urtigas
antigas formas hão de se esvair, por entre os dedos,
por entre os dados, dardos sutis e envenenados
lançados ao longe, a perfurar têmporas frouxas
de homens tolos, de mulheres lúbricas
que no calar da noite se entregam aos desleixos
e aos jogos soturnos noturnos seixos
do sexo engaiolado.

Não como os anjos fazem.
Não como os anjos
que gozam o gozo puro, o gozo etéreo,
sem estertores sem gritos estridentes
entre dentes cerrados. Não.
O gozo fluídico e mágico destes anjos
não retine na noite feito copos,
feito corpos
de humanos entrelaçados. Não se exibem nas janelas
nem se entregam às orgias.
Fiam fios e urdem tramas
sem dramas em camas desfeitas.
Enfeitam os cabelos
com tiaras, e brilham nos seus olhos
diamantes cristalinos, com o brilho de mil sóis
reluzindo, rouxinóis aveludados nas gargantas,
vocais acetinados, seda pura.

Sede puros
como os anjos
são.

NÃO CHORE, BABY!

Não chore, baby!
O que nos resta senão arrancar
Deste solo árido
Esta impossível flor
Feita de pedra e cor?
O que nos resta, senão viver,
Pressentindo na entrelinha
O contínuo desfazer?

...Olho teu rosto claro e este sorriso largo que faz vibrar os teus olhos, emoldurando teus lábios. Na cor deste teu sorriso vejo a dimensão dos sonhos, dos loucos sonhos que inda em vão sonhamos.

...Cabem nele velhos e longos dias de espera e encantamento, os velhos sonhos reamanhecidos em cada manhã de névoa.
Neste teu sorriso largo cabe o mundo de brinquedo, com que brincamos um dia, pensando em inconseqüências, quando as manhãs eram promessas, as tardes longas esperas e as noites brilhos de estrelas. Varávamos a noite a dentro, em ritmo alucinado. Tudo era festa, então, tudo era festa.

O que nos resta, senão este acre sabor
De coisas que não sabemos mais?
Já não sabemos a sonhos
Nem a luzires de estrelas
Nem a madrugadas densas
Prenhas de luz
Que hoje nos trazem marcas
Do tempo, animal medonho
Que não soubemos domar.

...E o sonho já não cabe na palma de nossas mãos. Seremos hoje áridos arremedos de nós mesmos, nesses medos ensimesmados?
Mundo, mundo, mundo,
Seremos eternamente enigmas de nós mesmos
Esfinges de nós mesmos
Devorando-nos as entranhas?

SENTIDOS DO AMOR

Assim se ama o Amor:
com todos os sentidos
em todos os sentidos
ama-se o amor.


Ama-se o amor com o olfato:

os cheiros que inebriam
que revolvem as memórias
os perfumes, os fluidos,
o navegar nos momentos
esquecidos.

Ama-se o amor com o tato:

suprema dádiva,
prazer absoluto
quando se toca o corpo ao seu lado
toca-se a música ímpar
das essências
como veludos
de hortênsias.

Ama-se o amor com o olhar:

olhar dentro de outros olhos
flutuar em outras íris
arcos negros sobrancelhas
é acender as centelhas
do fogo que acende os corpos.

Ama-se o amor pelo gosto:

O saber o sabor
O paladar
Gosto novo a cada vez
Que a boca passeia
Anseia
Pela pele pelos poros
Bocas nuas:
Minha, sua




Ama-se o amor com o olhar:

Ver o visto, o não visto,
O imprevisto no escuro,
o vislumbrar de um futuro
o derrubar de muros
o passear, como cegos
egos.
Ver, antever, prever,
O jeito de amar
em cada curva
Do olhar.

Ama-se o amor
com o sentido sexto:

aqueles quereres não querendo
aqueles estares não estando
aquelas sensações
que não se sentem.

Ama-se o amor assim:

apaixonadamente,
em cio,em flor, em semente
incontinente,
navegando em suas águas
perdendo-se em suas ilhas
prendendo-se em seus cabelos
novelos, desvelos.


Aprendendo a reinventar
O gesto feito de vento
O verso sutil, transparente
Como teia de aranha.
Ama-se o amor
com o sentido sexto:
aqueles quereres não querendo
aqueles estares não estando
aquelas sensações
que não se sentem.

Assim se ama o amor.

TRIPTICO

I
MANHÃ

Cristais de quartzo
refletem, no espelho
a luz em cacos
e se repetem,
em mosaicos
sobre corpos nus
de amantes lassos.

Neste lapso de tempo,
nesta fresta,
nesta fenda de espaço,
neste passo lento, tento
instantâneo,
congelar o momento,
gravar o instante
de brilho raro.

Busco o fio inconsciente
e inconstante, me teço
em tramas, em trêmulos gestos,
em dramas, em inúteis gostos:
o nada
o tudo,
mudo me encontro
perdido, no encanto
desta manhã iluminada.

II

TARDE

Arde a tarde
sem alarde.
Um mar de
esmeralda
desfralda franjas
e escarpas
por onde escapa
num curto segundo
a espuma branca
lembrança
de eternidades
de ir, de vir,
de ir, de rir.

Num céu tonto de azul
vagam gaivotas
grávidas de luz
ávidas de sol.

E na linha do horizonte
dançam trêmulas
memórias enclausuradas
em conchas de caracóis:
memórias: matéria de sonhos,
de luas, de sóis.

III

NOITE

No negrume
o lume se insurge.
Negra noite
açoite
de verbos, de versos.
Corpos ardendo, vagando à deriva
em planos, oceanos
nunca dantes
navegados.

Negra noite
negra fonte
onde amantes se deitam
em pares
ou ímpares
os únicos pairam
insípidos, afoitos
sobre a própria carne,
cerne das delícias.

Noite,
como escrava
escava memórias
revela histórias,
revolve lembranças.
Revólver na noite
revolver a vida
e num único ruído
romper a corrente.

Flui a noite,
como emblema
dos corações empedrados.
Noite. Caverna dos medos,
dos modos, dos mudos
amantes
e dos desesperados
seres solitários.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

MIL NOVECENTOS E SESSENTA E TANTOS

Mil novecentos e sessenta e quatro.
Mil novecentos e sessenta e tantos
motivos para fazer poesia,
azia, antro, pó,
fagia.
Mil novecentos e sessenta e tantos
cantos, escondidos nas coxias,
atrás das cortinas, sob neblinas,
nas entrelinhas.

Faca amolada, tesoura cega
cortando o sonho, matando
a sanha dos resistentes.
A senha, qual é a senha,
qual o sonho que se esconde
atrás de portas fechadas
fachadas de aparência
onde se tramavam lutas
onde se urdiam tramas
dos novos inconfidentes?

Mil novecentos e sessenta e quatro,
sessenta e cinco, sessenta e seis,
sessenta e tantos, e tantos a arder
no fogo, no jogo do não deixar
morrer o sonho e a vontade
da liberdade roubada. Cortada.
Cassada na noite. Caçadas na noite,
calçadas atropeladas
por tropéis de ensandecidos.

E a poesia resiste. Insiste. Persiste.
Mostrando em seus labirintos
o oco do mundo, o podre do mundo,
o fundo do odre, o opaco, o ocre,
o acre cheiro de mofo
dos porões.
A Poesia: azia, acidez, na aridez
no deserto das idéias,
nos oásis dos ideais,
transmutada em linhas tortas,
curtas, fartas, toscas, foscas,
brilhando nas entrelinhas
qual estrelinhas
aos olhos que sabem ver.

Palavra atrai palavra
na mão do poeta anônimo:
palavra que é ferro e brasa
palavra que é freio e farra,
que vai à forra, que diz de brisa
e de tempo novo, e que avisa,
um dia inda vai chegar.

Mil novecentos e sessenta e quatro
e tantos e quantos e santos
motivos para fazer poesia
para lutar contra a noite
querendo engolir o dia.

Mil novecentos e noventa e tantos:
quantos cantos, tantos prantos
já passados.
E a poesia resiste
como esfinge, ainda hoje,
Não à aridez dos desertos
de então,
mas à acidez deste tempo
mal passado
de desespero, de vazio
e solidão.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

MAR SECRETO ( uma releitura)

Se a espuma que
Irrompe do nosso mar interior
em cólera
extrapolasse os sentidos
escancarando essa dor,
a dor que ascende, calma,
dos recônditos da alma:
Arma cega dos mortais
jamais.

Se tudo que nos devora,
se as bestas interiores
Em seu galope trôpego,
em tropéis agalopados
aflorassem, como as ondas,
de um mar secreto, revolto,
envolto em névoas, neblinas,
em redomas espumantes
nunca dantes entre dentes,

O coração pararia, num instante,
solto no ar, (como um lancinante
ato de mergulhar).
E buscaria, no seu âmago,
amargas lembranças ancestrais
da cólera, que se esfuma no ar.

Ver através da mascara,
mascarar a face,
mascar, num ranger de dentes,
aquilo que se tornasse
dor, e sem piedade se entregar
à fera
que nos devorasse.

Ah! Mares interiores,
secretos mares
de ondas seculares,
barulhos ensurdecedores
que só se ouve quando se está só:
Rimos, rimos, rimos,
Buscamos rimas, rumos, pranas, prumos,
Nortes,sortes, mas no fim do caminho
Só o fim do caminho:
o fim.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

POETAR

POETAR

Poetar não é sofrer
e descrever as dores em sonetos
Poetar não é amar
as redondilhas, rimas e versos brancos
Poetar não é se ilhar
em metáforas exaustivas..

Poetar é dizer o indizível
com signos a inventar
é buscar a imagem
inimaginável
o sentimento inefável
é saber medir
o incomensurável
e trilhar os caminhos
ainda não abertos
ainda incertos.

Poetar é sonhar o sonho
ainda não sonhado
é navegar por mares
inda não desbravados
é tornar em palavras
lugares imaginados.

Poetar é ser o ourives
que cria a jóia rara
para
num rasgo de emoção
ofertá-la
ao desvario
de um coração.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Efêmero


Olho a flor no jardim

em sua beleza insolente:
pétalas frescas, cor radiante,
no esplendor da semente
e antevejo o efêmero do belo:
neste instante, gelo,
ao pressentir o transitório
da existência
o findar-se da essência
pois ali ao lado, no mesmo jardim,
outra flor fenesce, esvaída em cinzas
cores esmaecidas, estames apodrecidos,
a pender da haste, aguardando o fim
numa via-crucis
bela, mesmo que cruel:
uma, já pende à terra
a outra, ainda se estende ao céu
sem saber que tudo finda,
quando vai-se o véu.

de palavras

Como um poetantigo
eu quero o cristal da palavra:
larva
de todos os sentidos
de todos os segredos.
Palavra: arma que lavra
na lavoura inóspita
a terra revolta
buscando a semente
do vir a ser.
Palavra: lava, vulcânica lava
que lava, que leva, enleva,
e como luva se enrosca
em novelos
nos dedos
dedais metafísicos
indicando os caminhos
os escaninhos das lembranças.
Palavra: faca cortante, adaga afiada,
espada de samurai
que decepa cabeças, que subverte sentenças,
que absorve cadências
de notas e estrelas cadentes
de desejos ocultos.
Palavra: suma delícia
da última flor do Lácio
Palavra: a ti, poeta,
sua força e sua garra:
esta a guerra da palavra:
lavrar, mesmo que em solo infértil,
nova lavoura de idéias.