domingo, 31 de outubro de 2010

chiaroscuro


imagem: sgirolimetto/flickr

Sou um poeta barroco
e pendo
entre céus e infernos
entre verões e invernos.
Navego
cego
no brilho opaco do olho.
Colho flores do espírito
nos jardins do Eden
e frutos sensoriais
nos rastros da serpente.

Sou barroco
e me entrego
aos prazeres do corpo
buscando saciar a alma
que derrapa, inconsequente
entre o quente da carne
e a calma da chama
que arde, eterna.

É terno meu caminhar
mas são volúveis meus passos
que passam
às vezes lentos
às vezes tensos
entre vicios e virtudes
entre luzes e sombras
numa zona cinzenta
de idéias indefinidas.

Oscilo
entre o vazio e o pleno
entre o puro e o obsceno.
Aceno
ao ubíquo
e ao ambíguo
desejo obliquo.
Divago
entre a superfície e o fundo
entre o agudo e o obtuso.
Intruso
indecifro-me
no âmago da escuridão
buscando as imensidões
da sombra e da luz.
Sou paz, sou pus
componho-me e decomponho-me
numa antítese imperfeita.

Em um mundo óbvio
sem mitos e metáforas
sou palavra em transe
transmutando-me
em multiplicidades.

Sou um anjo torto
de asa quebrada
e sorriso morto
sem norte, sem porto.

Sou anjo barroco
que sobreviveu
às intempéries
e que busca um caminho
um destino num mundo
onde anjos já não tem vez
nem voz.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

era setembro


imagem: dominics pics/flickr

Era setembro, acho, e ainda não havia chegado a chuva. chovia sim, mas em meus olhos e em meu coração empedrado minando saudades e ausências. e setembro era pleno de belezas ipês amarelando e arroxeando os horizontes contra os céus azuis muito azuis às vezes chumbos às vezes bronzes derretendo sobre as cabeças calor de 40 graus e nós todos dizendo caralho que calor é esse que tá derretendo a gente saía dançando pelas ruas, nas madrugadas, bebia, bebia, e depois saía dançando nas noites amenas daquele calor manso das madrugas e a só ia dormir tarde da noite manhã quase e brincava de namaorar todo mundo meio riponga é ainda era tempo de ser hippie sabe final dos anos 70 e todo mundo na onda de Woodstock de Hendrix de Joplin de mammas and the pappas e de toda aquela puta ilusão de paz e amor e concertos ao ar livre e nós cá nos trópicos e os ídolos todos lá, nas fazendas americanas nas ilhas inglesas naqueles frios de gelo e nós aqui nos trópicos querendo imitar ah mas era tão bom- paz, amor, rock and roll e as viagens- sim, era tão bom mas nada ficou sabe pras gerações de hoje que nem sabem o que foi aquilo tudo- hoje no máximo ouvem nas raves uns DJs tocando revivals remixados dos sons daquele tempo diluídos nesses batuques tribais essa coisa coletiva engolindo as individualides- ah! as dores dos desencontros cantadas nos blues eternos, o choro de um sax perdido numas noites de ontem, riffs de guitarra chorando dilaceradas histórias de amor doidas viagens psicodélicas pelos desertos na voz de Morrison- tudo isso hoje é nada neste tempo de batuque coletivo-

Álbum
caderno cartonado onde se colocam fotos ou recortes de jornais


cadernos de viagem: outras eras, papéis descoloridos
pétalas de flores, cacos de louça, papoulas murchas
manchas de vinho e sangue, trechos de castaneda,
poemas de Dylan Thomas, palavras de burroughs,
velhas canções do roberto
e alucinações dos beatles:
penny Lane, eleanor,
Sgt peppers e lucy, ah, aquela no céu
com diamantes e fogo derrandando sonhos
e ressecando pesadelos gelationosos

cadernos de viagens: anos sessenta, setenta,
anos oitenta
pó de estrada, restos de yoga,
lenços sujos, lágrimas salgadas,
partidas, partidas, partidas,
cabelos em dealinho:
elefantes rosa, rosas carnívoras,
cabeças pulsantes
veias e viagens
loucos cadernos de non sense
Zen:
budismo, nudismo, luas
luas luas e girassóis
girando gôndolas na noite escura
brilhos matinais devassando as noites
ancestrais:

cadernos de viagem, álbuns,
rosas secass, flores mortas,
lendas, rumos,
cacos, caos e casos
muito desfeito
mitos mortos
outros tempos.
...são apenas álbuns. cadernos velhos. descorados
descoladas idéias
de quem nem se sabe mais:

era setembro, acho, e ainda não havia chegado a chuva. nem sei que ano era.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

de:liriums


imagem: Jnarin/flickr

solidão- sólida como pedra
rocha voadora que veio se abater aqui,
no meio do meu coração
branca como parede de cal soprando ausências:

A solidão é uma parede branca
Caiada de ausências
Que germinam no corpo
Rememorando dores:
Tudo o que podia ter sido.
Não foi.
É uma ária de Bach
Adejando os ares
Num stradivarius
Sem ouvintes:
Antes, o corpo dançava
Ao som de estrelas
E os lençóis amassados
Eram nosso presente
De natal.
Hoje, não más marcas
Nos panos ou no pescoço
Beijos, flores mortas,
Murtas secas, no jardim:
A solidão é uma parede caiada
Branca de ausências
Onde a luz reflete
Promessas vãs:
A solidão.
vi
Porra, acho que deliro
em lírios mortos:
foda-se: estou vivo
tanto
do começo
ao fim
e tropeço
nas esquinas
de nós tudo, todos,
tantos,
imagem: sex bomb-lovepie
não te querer assim: sonhadora, romântica,
buscando alhures o que aqui não se encontra:
o sonho martelava idéias sobre a cabeça e o coração
enquanto o corpo apenas se jogava inteiro
naquele jogo de sedução avacalhado:
mão na mão olho no olho pele na pele
calor e tesão: um avanço, um recuo,
outras idas e vindas, lindas as palavras ditas
e os sussurros gemidos ao pé do ouvido gargantas secas bocas sedentas mordidas lambidas salivas lânguidas escorrendo pelos cantos

Colados
Calados
Selados
Suados
Su(surrados)
O corpo encontra outro corpo:
Porto inseguro
Augúrio do velho
Do mesmo tema:
Janela vedada
velada
A alma se guarda
Em qualquer redoma:
O corpo não: faz-se
e se refaz
Entre Dioniso e Eros
Erra quem busca
alguma coisa mais?

longe daqui, desta cama macia com lençóis brancos
e travesseiros cheirando a erva-cidreita
pairam os sonhos jogar-se sobre o leito e desfrutar a carne,
o desejo explodiindo, os corpos em êxtase, tudo tudo
e as palavras soltas ditas assim sem mais rodeios
muitomais que o te amo muito mais do que te adoro muito mais do que as pérolas de chuva
e do que as rosas vermelhas sobre a mesa muiito mais:
os sentidos e sua jornada noite adentro gozo gozo gozo corpos embolados enroscados: amor?
Não te querer assim, lírica, leve, mística,
rósea: te querer assim: crítica, cítrica,
inteira no seu torpor e no seu gozo múltiplo: amor?

Sob o cisne afoita,
leda cisma
enquanto frui
o instante:
será amor
a alquimia dos corpos
ou pura anarquia
do desejo?
ainda assim, quero ser todo
o estupor e todo o espanto
do que se faz novo
enquanto canto
o doce ofício do ócio
o osso dócil do ofídio
tanto mais doce
Porque inexistente.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

rosa rosa rosa


imagem: Zikii/ Flickr

rosa rosa rosa
símbolo do nada, do existir
no vácuo
címbazlo que retesa
cordas
que enfeza corpos
em desalinho
cítara
de sons angélicos
flutuando
nas coxas das moças
como beija-flores:
rosa
sem poesia,
em poesia
te vejo
e te pressinto
presente:
rosa rosa rasa flor:
ah, o frescor
da brisa e a brasa
dos amantes
tem a tua cor

terça-feira, 5 de outubro de 2010

uroboro

...quando acordou,
viu a cama desarrumada-
lençóis sujos, sangue derramado,
vinho tinto, nódoas,
camisinhas camicazes
noite sem rédeas:
isso foi ontem
hoje, de novo a solidão
essa que morde, implacável,
como a serpente mítica
...quando acordou,
viu a cama desarrumada-
como a serpente mítica

sábado, 2 de outubro de 2010

dramas?


imagem: flickr/Blentley

Cacos. Cacos.
Juntar casos e cacos
Cacarecos, coisas,
Meias verdades( em verdade,mais mentiras
Que verdades, que de tão ditas
E benditas, coisificaram-se
Em reais)
As toalhas brancas
Nos banheiros
Sempre brancas e alvejadas
(as manchas, as manchas,
onde as manchas de tanta
Vida?)
As xícaras pares na cozinha
Camisola e pijama cheirando
A naftalina
E os barulhos, os rumores,
Os molejos e murmúrios
Os gritos, os gozos,
Os estares
E os esgares nos rostos
Quando a dor era maior
E galopante...
Juntar cacos. Cacarecos.
(coisas antigas, palavras em desuso
Copos em decúbito
Dorsal, era ssim, que se amavam
Rosas abraancas,vermelhas, bruscas,
Buscas que se perderam
Em frestas de janelas
E descaminhos de lençóis.
Cacos não se colam.se colados
Não encaixam as reentrâncias:
Drama
De fim do amor.
...

( deixa esses dramas, menina, que não te levam a nada olha a vida é breve é sopro é luz que já se apaga ao primeiro sinal do crepúsculo: observa
lá fora, tem passarinhos cantando
tem barulho de tamancos pelo corredor
tem crianças pelos corrimões
de escadas
tem tomates vermelhos brilhando em cima da pia
da cozinha
esperando ser decepados
para te alimentar.
olha, qwue beleza de cantos de bichos
água correndo das torneiras, beijos escorrendo das bocas,lábios
beiços fartos foirtes dentes mordendo as iscas os peixes
que se ajuntam nos aquários e nem sabem dos rios ou do mar
peixes, mesmo assim, felizes em suas memórias
instantaneas.
olha, menina, dramas vem e vão, amores idem, amores se acabam
e começam, até que o amor derradeiro
aconteça e ele é um só: esse sim, é um só
e quando chega o c oração se acalma
o corpo se entrega
e tudo se aclara.
dramas, fins de casos, roupas sujas,
rasghos de memória,
força, fraqueza, lindezas e enfeiamentos,
tudo isso é nada:
joga fora
essas canções de dor, esses romancesw suados,
esses livros desfolhados
esses lirios deflorados
esse sexo dolorido:
joga fora
e olha lá fora:
tem sol, tem luz,
tem gente que busca, tem vozes,
tem bichos]
e tudo quer ser verdade
e ser mais leve:
dramas-
embrulhe-os em papel de pão
e jogue na correnteza:
a água vai te lavar).