terça-feira, 31 de março de 2009

PAS DE DEUX


foto ACASO por deadoll/flickr

Poema inspirado nos textos de Compulsão Diária

Pela janela observo
no jardim
a bailarina e o gato
num pas de deux
com odor de jasmim
alva malva
salmo de luz
e carmim.

Passos lépidos
corpos tépidos
os passos do gato
e o vôo da baiilarina
sobre a grama do jardim.

Agora o gato repousa
no colo da bailarina:
gato branco, colo alvo,
cheiro de malva e jasmim
aura de alma lavada
enlevada,
simples,assim.

Da janela, olho a cena
plena.
e a janela emoldura
a ternura,
a janela é moldura
para o doce sentimento
que embala
o gato e a bailarina:
cena rara,
que se expressa,
entre um gato andando a esmo
e a alva bailarina:

E o repouso do gato
seu corpo esguio
no colo da bailarina
é a expressão do absoluto
que não cabe
que não sabe
num retrato.

segunda-feira, 30 de março de 2009

INSTANTANEO- 3x4


foto: flickr/seier+seier+seier

A solidão se assentou
na praça dos três poderes
e pôs-se a olhar os pombos
e seu indeciso vôo
num céu vasto, sem pouso.

A solidão se acentuou
nos rostos das pessoas,
como ovelhas desgarradas
perdidas na praça perdida
no cerrado perdido
no planalto central
descomunal
perdido no mundo.

A solidão aumentou
no solo, nos bancos,
nos rostos,
nos restos de brinquedos,
de comida,
deixados, quando morreu o dia
e os pombos voltaram aos pombais.

A solidão adentrou
os peitos, os olhos,
e os corpos caminham,
rumo às luzes
do setor comercial,
das asas do sul, do sal,
e do suor,
das asas da morte, do norte,
buscando um fato novo,
a ruptura,
a rachadura e a assimetria,
a nota destoante, o palavrão,
a cachaça, os bares, companhias,
para enfrentar a barra
destas noites escuras e vazias
desta solidão descomunal
que cresce, se avoluma,
sob a sombra
de um eixo monumental.

domingo, 29 de março de 2009

Sede da Palavra


foto: Era só - flickr/L

Como peixes sedentos
em pleno aquario
como aves cansadas
em repouso no ninho
como serpentes que morrem
do seu proprio veneno
como versos imperfeitos
que regurgitam a poesia
que não se compreendeu
assim me sinto eu:
poeta perdido
em meio à imensidão da palavra
E de suas consequencias:

Como encontrar as trilhas
as medidas
em meio a tantas midias
e maravilhas?
Como andar no prumo
e equilibrar-me
no fio da navalha?
a palavra explode
em meu peito
cala-me cego
o olho que não vê
meu braço cansado
de pesado fardo
passo e não sinto
o cume das estrelas
nem adormeço o sonho
da flor amanhecida
no jarro seco:

Como peixe sedento
em pleno aquario
minha sede não se mata
minha fome não se sacia
antes, se renova,
mais faminta, mais sedenta,
a cada dia.

sábado, 21 de março de 2009

flor e concreto


flor-estrela - foto by Nekrun/flick

Contra os céus de concreto
e o chumbo das cidades
explode a flor:
a beleza se insinua
nua
contra a miudez
e mudez
dos cinzas antropomórficos.

Flor:
que rompe o concreto
e entre frestas
invade
a rudeza do cimento
e a crueza de uma vida
acinzentada
conclamando
à batalha contra o tédio
contra o néscio
contra os vícios
e os ócios
contra os sócios
do escapismo:

Flor: epifania sagrada
Que nos remete
Ao divino.

No céu de buñuel

foto - "un chien andalou" by swan of kennet/flickr

A navalha
no olho
o corte
a lua lhena
plena
morta
a sombra
torta
o vortex
o redemoinho.

No fio da navalha
da canalha
na falha do inconsciente
o gesto insano
da mão demente.

E o olhar vazado
esgazeado
turvo como a lua
eclipsada
pelo sangue da nuvem
em sua Iris branca.

um poema inspirado pelo filme " un chien andalou" de buñuel e dali"

quarta-feira, 18 de março de 2009

ANARQUIPOÉTICA


FOTO POR jORGEMEJIA/FLICKR - !Viva la Poesía!

Hoje amanheci poeta e estou entardecendo perdido na prosa. Prosear sobre poesia, sua natureza e exigências, sua dependência do poeta assim como o poeta depende dela, assim como o poeta depende do ar para respirar e da palavra para se expressar em meio às multidões apressadas, ensimesmadas e sem palavras para com aquilo que a rodeia.

A Poesia é uma musa exigente e premente e nuca se sabe quando chega ou quando vai. Coloca-nos em eterna vigília, a buscar a senda das maravilhas e das palavras inauditas, encantadas, novíssimas em sua formulação e em seu entendimento, como diamantes recém- convertidos de um carbono abrupto. A poesia é assim, ataca-nos de repente, ata-nos as mãos do fazer diário e se instala, sorrateira e brejeira, em nossa mente e coração, que fica lírico a buscar revelações e encantamentos. E nos atracamos com ela, enrolados em seu leito de lírios e rosas, de cheiros e luzes, plenos de imagens que querem se traduzir aos olhos outros pela construção e encontro da palavra perfeita, da palavra que traga a luz, ao mesmo tempo tragando a luz que brilha em nossa mente.

A poesia é isso: uma busca pela tradução, mais que perfeita, dos sentimentos imperfeitos, das nossas contradições, das antíteses que somos e nunca queremos deixar transparecer. A poesia, para isso, depende do poeta e o poeta depende da poesia,e muito mais, da plena liberdade, aquela gritada a plenos pulmões, daquele ar que escapa do escafandro deixando o mergulhador à mercê da água que lhe rouba os sentidos...

A poesia necessita liberdade, incondicional e irrestrita, para que seja gestada e resgatada do limbo a que muitas vezes a condenamos. Por isso, rima não com burocracia, mas com anarquia e com apostasia. A poesia é avessa aos controles, às planilhas, às escotilhas, às camarilhas, às escolas, às escolhas, é avessa aos sistemas e regimes; o que a poesia busca é a pura tradução da beleza, este ser abstrato que se oculta nos mais inusitados lugares... Por isso, o poeta não deve e nem pode, enquanto poeta, preocupar-se com números frios, mapas de controle, perfis produtivos, gráficos e estatísticas. Vamos sim, nos preocupar com o pranto não chorado, a palavra não dita, os matizes ao invés de matrizes algébricas, com o homem e a mulher, enquanto seres iluminados e antenados com o universo no qual vivem.
Por isso, enquanto poeta, não busco o raciocínio dos números e a frieza das estatísticas. E registre-se que, paralelamente, trabalho com números, que no contexto adequado, também possuem sua beleza... aliás, esta já é outra praia pois, para os matemáticos, os números são plenos de luz, beleza, incertezas e inesperado e isso, diga-se de passagem, também é pura poesia.

No entanto, quero aqui celebrar a liberdade e o dever do poeta de trabalhar sempre a palavra, como o fruto de uma lavoura não árida, de uma lavoura fértil, de onde brotem os sentimentos e as sensações apreendidas enquanto homens, dominados e dominadores, senhores e irmãos da natureza.
E para isso, sejamos anárquicos e deixemos que as palavras nos transportem aos mundos exteriores e interiores, e façamos dela nossa arma e nossa alma, faça-se a luz ordenou Deus, faça-se a sua tradução por meio da poesia, conclamou o poeta.
E sejamos assim, teses( como nos poemas-conceito, matrizes para outros e outros e outros poemas), antíteses ( como nos poemas barrocos, contrastes perfeitos para a natureza humana, sua luz e escuridão), sínteses( como nos poemas concretos e haicais, equações líricas e pequenas flores de cor e forma intensas). Sejamos menestréis medievais, cantando barcarolas, sejamos clássicos, em sonetos formais, sejamos parnasianos, buscando a jóia perfeita da rima e do conceito, sejamos simbolistas, dando voz aos nossos elementos interiores, sejamos naturalistas, dadaístas sem um sentido aparente, sejamos surrealistas transmutando as palavras em imagens sinestésicas e sensuais, sensações pictóricas, sejamos sintéticos e prolixos, sejamos modernos, reeditando 22, sejamos enfim, eternos, e assim estaremos sendo contemporâneos, expressando os medos, vozes e vórtices do nosso tempo, esse tempo que não é só cronológico, mas também sentimental emocio-lógico, baseado em nossas idiossincrasias e relacionamentos com o mundo e as gentes.

Vamos pois, poetas, construir nossos opus de luz, mesmo em meio ao pus, ao pó, mesmo em meio às descrenças e desavenças, lançar nossas sementes de beleza que um dia, quem sabe, contaminarão a todos, tal qual uma pandemia, um pandemônio , uma ode à alegria de viver!

RAW-WAR


foto: No a La Guerra - flickr/Macfacizar

Canto I
A palavra se cala
estupefata
diante da putrefata
crueza da morte
que assola os sentidos.

A palavra cora
envergonhada
diante da tinta
da fúria
que assola
e tinge o cenário.

Canto II

Terra devastada
em que se digladiam
irmãos de sangue
em mãos cruzadas
morrem os homens
apagam-se os sonhos
gotejando sangue
coquetéis vermelhos
gosmentos,
grudentos,
sangue novo
sangue antigo,
sangue cíclico
na terra devastada
nos desertos erráticos
longe dos oásis
e das calmarias
longe dos jacintos
e dos lilazes
de abril
só tenazes
apertando as gargantas
tantas.

Escorrem mundos
pelos dedos
pelos medos,
pelos becos,
pelas bocas correm escarros
escamas de sangue: bombas
da paz, explodem
sôfregas, trôpegas,
a morte
sorrindo, insidiosa,
sedenta, e o diabo
que se veste de cordeiro
esbanja escárnios.

E o sangue corre, escorre,
Explodem corpos e ossos
Se esfarelam:
É o sonho da paz
Que volta ao pó.
É a sanha do ser
Que não se entende
em nome de deus.
É destino ou desatino
Essa insensatez?

Canto III
A terra devastada
apenas observa
com olhos enevoados
e choram as pedras
e se empedram os cantos
e secam os cântaros
por perdas, por danos
e pela dor dos homens
que ficam
a espiar horizontes
com olhos caninos.

E o mar, ao fundo,
em seu azul de safira
sugere a paz:

Que paz?


um cântico em homenagem a T.S.Eliot e seu poema "The Waste Land"

quinta-feira, 12 de março de 2009

UROBORUS


imagem: Uroborus- flickr/Leo Reynolds

Caminho no precipicio
entre o fim
e o inicio
em jardins
e delícias
e atinjo mundos
fundos
de poços
intransponiveis.

Sou translúcido
ou obscuro
opaco ou hialino
plácido ou fescenino
conforme o mote
caminho na luz
e no escuro
e me penduro
nos fios da navalha
nestes enduros
por trilhas
Ignotas.

Somos todos assim:
avis raras
dos paraísos perdidos
e proibidos desfechos:
uróboros contemporâneos
restituídos aos mitos
aos gritos primais
mordemos a própria cauda
e destilamos venenos
para nossas próprias almas.

Caminhamos em circulos
em circos plenos de vícios
e buscamos as rosas místicas
as ordens ocultas
e os segredos alquímicos
das transmutações:

Somos todos assim:
e caminhamos, impassíveis,
impossíveis
implausíveis
Rumo ao fim.

segunda-feira, 9 de março de 2009

ROSAS ÁCIDAS



imagem: Rosas ded inverno- by rodrigo álvarez/rupertt - flickr



Rosas rubras,nuas,
desfolhadas
flácidas,
mas ainda rosas
grávidas de poesia
despencam do céu,
como chuva ácida
e descorrolorem sonhos
enquanto medos medram
nas mentes assassinadas.

Nada é o que parece,
nada nada nada
nada a favor da corrente
a semente não floresce
apenas fenece o feno
que não foi comido em tempo
pelas vacas magras.
mas ainda vacas
prenhes de promessas.

Tudo tudo tudo
nada contra a correnteza
peixes com sede de água limpa
e de ares sem margens
absolutas, perdidas,pendidas,
fendidas buscas perdidos
sonhos em volta do tempo
que tempo?

As rosas rubras enrubescem
ao som dos velhos hits
das estações passadas
onde já não passam trens
ainda tens aqueles passes
para os so(n)hos azuis
da temporada?

As rosas rubras despencam
e não falam: calam
as rosas nos canteiros
certeiros dardos doídos
jogados ao léu ao céu
que céu?

céus de chumbo, céus de estanho,
céus castanhos carregados
de cogumelos estranhos.

As rosas rubras despencam
e se desfazem em espirais
de tempo: sobra vermelho
e sangue, nas alcovas,
nas aldravas, as madressilvas
não cheiram mais:
sobram tristeza e tédio
e ócio
nas manhãs acinzentais
sem quintais.

Mas ainda o sonho
se intromete em meio
ao caos
e promete ressureições:
lázaros redivivos
ícaros renitentes
se elevarão dos escombros:
pássaros de fogo
cometas iconoclastas
vararão as madrugadas
plácidas
das noites ancestrais.