domingo, 28 de março de 2010

bicho


imagem: flickr/play4smee

pois é, hoje acordei assim:
meio prosa, meia-prosa
meio poesia
meio porra-nenhuma
completamente cansado
te tanta palavra gasta,
de tanta estrela de brilho barato
no céu da internet
internei-me em mim
e busco outras paradas:
ando cansado
de tanto canto engendrado,
gestado
E não deglutido:
ninguém devora palavras
Nem extrai delas seu sumo,
seiva da criação.
é tudo muito fastfood,
ninguém tem tempo
pro barato zen
de sobra, tudo soçobra
num mar de sargaços esgarçados
Desgarrados,
tudo é uma massa só
tanta pós-modernidade,
tanta arte
conceito
tem conserto tanta gente
querendo brilhar, como
meta
cometas deixando rastros
de luz, num universo pop-castrado
de tantos tontos?
..ando sem saco
prá tanto auê
e prefiro colo
de mãe-natureza
ouvindo pio de pássaro
canto de sapo
seguindo rastro de cobra
e botes de onça:
tem muito silêncio lá
e brilho também tem muito
de sol, de lua, de água(às vezes limpa)
sem nostalgia:
a poesia está lá: nos bichos
e nas coisas
que a gente não via mais.

quinta-feira, 25 de março de 2010

mofados

pode chorar, criança
gritar e berrar:
os monstros existem
e vivem, em cada dobra do tapete,
na sombra do abajur
e na claridade da luz:
não, não se vão com o dia
nem com as rezas de mãe
e a braveza de pai:
quando muito, se vão para o porão
e se escondem nos armários
mofados de entulho:

domingo, 21 de março de 2010

sobresombras


imagem; lain alexander/flickr

Sou um poeta barroco
e pendo
entre céus e infernos
entre verões e invernos.
Navego
cego
no brilho opaco do olho.
Colho flores do espírito
nos jardins do Eden
e frutos sensoriais
nos rastros da serpente.

Sou barroco
e me entrego
aos prazeres do corpo
buscando saciar a alma
que derrapa, inconseqüente
entre o quente da carne
e a calma da chama
que arde, eterna.

É terno meu caminhar
mas são volúveis meus passos
que passam
às vezes lentos
às vezes tensos
entre vicios e virtudes
entre luzes e sombras
numa zona cinzenta
de idéias indefinidas.

Oscilo
entre o vazio e o pleno
entre o puro e o obsceno.
Aceno
ao ubíquo
e ao ambíguo
desejo obliquo.
Divago
entre a superfície e o fundo
entre o agudo e o obtuso.
Intruso
indecifro-me
no âmago da escuridão
buscando as imensidões
da sombra e da luz.
Sou paz, sou pus
componho-me e decomponho-me
numa antítese imperfeita.

Em um mundo óbvio
sem mitos e metáforas
sou palavra em transe
transmutando-me
em multiplicidades.

Sou um anjo torto
de asa quebrada
e sorriso morto
sem norte, sem porto.

Sou anjo barroco
que sobreviveu
às intempéries
e que busca um caminho
um destino num mundo
onde anjos já não tem vez
nem voz.

sábado, 20 de março de 2010

impermanencia


imagem- doctor swam/flickr

Sou poeta.
E por ser poeta
canto
a leveza do fardo,
a beleza do cardo
do mar
do fogo-fátuo
que exala formas no ar.

E canto enquanto vivo.
Canto a beleza do instante
mutante,
inconstante,
do incessante vir a ser.
Canto o transitório
e o transe dos amantes
lapidados diamantes:
canto os laços desfeitos
e os liames que virão.

Não gozo gozos aflitos
nem sofro horrores.
Sou calmo. Sorvo pranas,
sou zen,
sou sem destino
no mundo.

Por isto tudo é que canto.
A canção sem fim.
Canto canções
da transitória permanência,
essências de vertigens
e caminho rumo ao novo,
ao velho,
ao novo
romper do ovo,
buscando transcendências
e inconfidências
contidas em corpos e almas
para confundir as mentes.

Por isso, canto.
A beleza do verso,
a fúria do verso,
a flor do cume
e o lírio do lodo,
o tudo e o todo,
o inútil e o passageiro.

Amanhã, na manhã,
Posso ser nódoa
que fica
na folha de papel.
Mas não importa.
Enquanto vivo,
canto,
e teimo
em buscar o céu.

cântico para cecilia meirelles e walt whitman

quinta-feira, 18 de março de 2010

transa


imagem: jef safi/flickr

e a palavra em transe
deixa-se possuir
pelo espírito da poesia:
doce epifania.

terça-feira, 16 de março de 2010

zen


imagem: aurelio.asiain/flickr


O silencio roça sua língua
na minha: busco o entendimento
que não atinjo na fala:
os sons se esgotaram
restaram os barulhos
que não são marulhos matinais:
por isso, o silêncio me ronda
e me rendo aos seus apelos:
seus sons me remetem ao ermo
do meu coração
que levita,zen,
em suas sendas.

sábado, 13 de março de 2010

inóspito


imagem: jjjohn~/flickr

Canto I

A palavra se cala
estupefata
diante da putrefata
crueza da morte
que assola os sentidos.

A palavra cora
envergonhada
diante da tinta
da fúria
que assola
e tinge o cenário.

Canto II


Terra devastada
em que se digladiam
irmãos de sangue
em mãos cruzadas
morrem os homens
apagam-se os sonhos
gotejando sangue
coquetéis vermelhos
gosmentos,
grudentos,
sangue novo
sangue antigo,
sangue cíclico
na terra devastada
nos desertos erráticos
longe dos oásis
e das calmarias
longe dos jacintos
e dos lilazes
de abril
só tenazes
apertando as gargantas
tantas.

Escorrem mundos
pelos dedos
pelos medos,
pelos becos,
pelas bocas correm escarros
escamas de sangue: bombas
da paz, explodem
sôfregas, trôpegas,
a morte
sorrindo, insidiosa,
sedenta, e o diabo
que se veste de cordeiro
esbanja escárnios.

E o sangue corre, escorre,
Explodem corpos e ossos
Se esfarelam:
É o sonho da paz
Que volta ao pó.
É a sanha do ser
Que não se entende
em nome de deus.
É destino ou desatino
Essa insensatez?

Canto III

A terra devastada
apenas observa
com olhos enevoados
e choram as pedras
e se empedram os cantos
e secam os cântaros
por perdas, por danos
e pela dor dos homens
que ficam
a espiar horizontes
com olhos caninos.

E o mar, ao fundo,
em seu azul de safira
sugere a paz:

Que paz?


cânticos para T.S.Eliot e seu poema "The Waste Land"

quinta-feira, 11 de março de 2010

fábula


imagem: c@rljones/flickr

,pois os cavalos,
em seu ímpeto de liberdade
dispararam pelos campos
como bólidos brancos,
negros
e amarelos
perfumados de crinas
e campinas
narinas ardendo
aos ventos.
e pararam, extasiados,
junto ao rio, de águas limpas
e de sedes extintas
e se inclinaram
diante de tanta beleza
e de tanta luz.

,e lá de cima, dos páramos,
observavam o vale, demolido,
cinza, desprovido
de sinais
de qualquer vida:
e viram
vagavam por lá estranhas criaturas
que deviam temer o sol
e a claridade
pois viviam
em buracos escuros.

,e os cavalos dispararam
de volta
aos seus campos
plenos de sol
e lua.

sábado, 6 de março de 2010

poeminha pornô


imagem: Mille Miu/Flickr

arranca-me o medo
estanca-me o olhar cego,
cante uma canção dos beatles
ou das beatas
das velhas igrejas mineiras:
amarre em meu tornozelo
fitas do senhor do bonfim
e me afogue em cheiros
de banhos
nesta noite
olha o diamante no céu:
é uma lua
parindo gotas de chuva
em drops de anis
azulmarinho quase escuro
e os céus despencam chocolate
e morangos- shake shake shake
shakes pearls- sonetos e romeus
julietas e as cores de verona:
ah, as cores do amor:
cante, baby, canções antigas
de ninar velhos meninos
e me deixe sugar teu peito,
engolir teu umbigo
e me enrodilhar no teu colo:
a noite é dia é noite é dia
e eu tô tão sozinho
e a dor dói tanto-
ah- em que esquinas
eu perdi meus sonhos?

vamos nos agigantar
nas mais doidas versões
de kamasutras
e descascar nossas almas
e epidermes
até o âmago
até o amargo
do início
vamos nos embriagar
de álcool e de promessas
vãs:
ando esquecendo seu nome
meu nome
mas seu corpo me lembra
a juventude.

vamos como num filme pornô
gozar ou fingir o gozo
não importa:
o que nos resta
é o desnudar
de nossas almas.

terça-feira, 2 de março de 2010

a palavra e eu - ii


imagem: Luiz Baltar/flickr

pois a palavra e eu
eu e a palavra
temos um caso de amor:
eu a acaricio no cio
ou a repudio
e ela me dá o troco
sumindo no vácuo, em fumaça
e eu fico assim: inerte, bobo,
e a palavra me tripudia
de dia e de noite
me nega o seu contato:
De bocas, caras,
coxas, bundas
e peitos
e corações
e não me embala,
nem se embola em mim:
é o fim?
não, é somente a semente
da dúvida, que me reconstrói
(dói!)
como vinho novo
de vindimas frescas:
eu e a palavra
temos um caso antigo
de amor, à primeira e última vistas:
ela me acolhe, eu a embaralho
e lambo e sugo sua língua:
e não morremos à míngua
pois a poesia singra
nossas vidas, como sangue
vivo.
na veia.