quarta-feira, 27 de outubro de 2010

era setembro


imagem: dominics pics/flickr

Era setembro, acho, e ainda não havia chegado a chuva. chovia sim, mas em meus olhos e em meu coração empedrado minando saudades e ausências. e setembro era pleno de belezas ipês amarelando e arroxeando os horizontes contra os céus azuis muito azuis às vezes chumbos às vezes bronzes derretendo sobre as cabeças calor de 40 graus e nós todos dizendo caralho que calor é esse que tá derretendo a gente saía dançando pelas ruas, nas madrugadas, bebia, bebia, e depois saía dançando nas noites amenas daquele calor manso das madrugas e a só ia dormir tarde da noite manhã quase e brincava de namaorar todo mundo meio riponga é ainda era tempo de ser hippie sabe final dos anos 70 e todo mundo na onda de Woodstock de Hendrix de Joplin de mammas and the pappas e de toda aquela puta ilusão de paz e amor e concertos ao ar livre e nós cá nos trópicos e os ídolos todos lá, nas fazendas americanas nas ilhas inglesas naqueles frios de gelo e nós aqui nos trópicos querendo imitar ah mas era tão bom- paz, amor, rock and roll e as viagens- sim, era tão bom mas nada ficou sabe pras gerações de hoje que nem sabem o que foi aquilo tudo- hoje no máximo ouvem nas raves uns DJs tocando revivals remixados dos sons daquele tempo diluídos nesses batuques tribais essa coisa coletiva engolindo as individualides- ah! as dores dos desencontros cantadas nos blues eternos, o choro de um sax perdido numas noites de ontem, riffs de guitarra chorando dilaceradas histórias de amor doidas viagens psicodélicas pelos desertos na voz de Morrison- tudo isso hoje é nada neste tempo de batuque coletivo-

Álbum
caderno cartonado onde se colocam fotos ou recortes de jornais


cadernos de viagem: outras eras, papéis descoloridos
pétalas de flores, cacos de louça, papoulas murchas
manchas de vinho e sangue, trechos de castaneda,
poemas de Dylan Thomas, palavras de burroughs,
velhas canções do roberto
e alucinações dos beatles:
penny Lane, eleanor,
Sgt peppers e lucy, ah, aquela no céu
com diamantes e fogo derrandando sonhos
e ressecando pesadelos gelationosos

cadernos de viagens: anos sessenta, setenta,
anos oitenta
pó de estrada, restos de yoga,
lenços sujos, lágrimas salgadas,
partidas, partidas, partidas,
cabelos em dealinho:
elefantes rosa, rosas carnívoras,
cabeças pulsantes
veias e viagens
loucos cadernos de non sense
Zen:
budismo, nudismo, luas
luas luas e girassóis
girando gôndolas na noite escura
brilhos matinais devassando as noites
ancestrais:

cadernos de viagem, álbuns,
rosas secass, flores mortas,
lendas, rumos,
cacos, caos e casos
muito desfeito
mitos mortos
outros tempos.
...são apenas álbuns. cadernos velhos. descorados
descoladas idéias
de quem nem se sabe mais:

era setembro, acho, e ainda não havia chegado a chuva. nem sei que ano era.

3 comentários:

nydia bonetti disse...

que fim levaram todas as flores...?! vivo me perguntando. tudo parece tão distante... Mas não são apenas cadernos velhos. são pedaços vivos de nós.
abraço grande, dan.

Adriana Riess Karnal disse...

Danilo,
os anos 70 viem em nós...gosto do seu texto.

Márcia de Albuquerque Alves disse...

Esse setembro me deixou extasiada! belo texto