domingo, 6 de janeiro de 2013

kama-surta



muitos anos depois, ao se descobrirem os guardados de nina n. que permaneciam ocultos em baús lacrados no quarto de despejo da casa onde viveu um dia e que sua neta hoje fuça com avidez querendo encontrar histórias daquela vó maluca que dizem comia homens como quem devorava biscoitos com chá lá pelos idos dos mil e novecentos e não sei quantos
porra, um diário, a vó escrevia um diário e era a mão naquele tempo não nesses blogs expostos de hoje em dia nesses feicibuques exibicionistas em que todos se expõe e a vida íntima é dissecada e cagada como numa ida ao banheiro era de verdade tinta no papel lacre na capa porra que legal deixa eu ler o que ela dizia primeira data 25 de abril de 1998 
Do diário de nina n. vinte e cinco de abril de 1998
hoje é meu aniversário tô completando dezoito até que enfim esse tempo todo tenho estado em brasa esperando conhecer mão de homem e nem me esforço mais prá esconder minha vontade de me agarrar ao primeiro rapaz que me aparecer quero sentir o cheiro do outro corpo se agarrando a mim sei que sou linda ainda que me enfeie por obrigação de obediência à mãe sei que sou gostosa ainda que aperte meus peitos durinhos nessa blusa folgada e sem corte prá não assanhar os rapazes mãe dizia filha toma cuidado eles só querem se aproveitar e abusar de você e ela pensava:comer, eles só querem me comer, e  é o que espero deles: que me comam, que me fodam, que me enrabem, que me transformem em seus objetos de prazer só que muito mais do que eles eu é que quero tê-los todos aos meus pés amantes saciados e felizes amarrados presos ao meu laço ao meu cabresto bestas enjauladas, que eu
merda folhas rasgadas, arrancadas , várias folhas, a velha  era foda prá caralho  e eu que pensava que naquele tempo as meninas se guardavam virgenzinhas pro marido aquela coisa de cinema de honra e etc e tal, mas
mil novecentos e noventa e oito- nina n. se recosta na cadeira de balanço de sua avó- está estirada, o corpo todo jogado para trás, o corpo um turbilhão uma fornalha um tesão-peitos salientes, coxas longas e grossas, boca escancarada, cabelos jogados sobre o rosto mamãe não está papai  pro trabalho vovó bem vovoó .. vovoó.. - velha, esclerosada, do outro lado da sala tecendo crochê nem vê nina que acabou de escrever no seu diário as anãotações do seu primeiro aniversário de mulher: dezoito anos, mil idéias na cabeça, uma festa, vou dar uma festa, vou chamar rapazes vamos sair por aí quero tudo que ainda não tive quero a loucura a respiração ofegante a boca na boca  sentar no colo dos meninos sentir os paus duros varando as calças e tocando –me por cima das roupas em brasa que não demorarei a tirar
nina n. sonha com devassidões, com histórias pornográficas com coisas que ela andou lendo quadrinhos de valentina, escritos   de apolinaire,  de bataille, lautreamont como? você anda lendo essas porcarias menina? catecismos de zéfiro menina que te boto de castigo você vai se confessar hoje contar ao padre essas e outras vou queimar todos esses livros malucos história de um olho as onze mil varas cantos de maldoror   e outras putarias descaradas que chamam de literatura libertária nina você só tem dezoito anos e
desde pequena estava acostumada a ler aquelas narrativas, que pegava escondido nas bibliotecas, sem que o pai soubesse, sem que nem as bibliotecárias soubessem  inventava identidades, idades, capacidades e subtraía livros eróticos como a querer se desvendar para o mundo se desvelar para os homens se entregar aos prazeres frementes de sua carne que tremia tremeluzia feito estrelas no cio no céu de tantas bocas
nina n.dezoito, sentia-se dona do mundo, dos mundos, dos seus mundos e os homens a esperavam do lado de fora daquela casa daquele castelo onde ela se sentia rapunzel aprisionada  injustiçada, sem príncipe que viesse lhe pedir as tranças e fodê-la como ela queria e imaginava nas noites longas e mal dormidas desde a adolescência nas indecentes brincadeiras de meninas se tocando sentindo o gozo das bucetas em brasa e a ânsia doida e doída de devorada por bocas sedentas.
nina,vamos dar um rolê por ai? na prainha é legal, rola um som, tem uma trailers de cachorro quente e bebidas e muito espaço prá gente encostar o carro e namorar... você quer namorar comigo, nina? O primeiro contato o primeiro cara o primeiro caralho de verdade a lhe tocar as coxas a aquecer sua boca ela sonhando ela pensando ela na dúvida ela ele eles e aquela lua linda e um carro velho e rolou a primeira trepada, o primeiro macho, a primeira vez que ela nunca esqueceu ele foi bruto foi tosco gozou rápido demais mas ela também gozou e ali começou a aprender os segredos de dominar os homens: ali aprendeu a arte da manipulação dos músculos  para prender e soltar os homens, quando um ou outro lhe interessasse
merda cadê as outras folhas deste diário quem rasgou ou arrancou de propósito a neta xingava sem saber a quem pois queria saber do resto das confissões da vó mas se conteve e umas 50 páginas depois encontrou outras anotações  e coisas estranhas que parece começaram a acontecer com nina n. naqueles longes anos  mil novecentos e noventa e tantos
hoje, 19 de novembro de dois mil já tenho vinte anos e mais de vinte homens já passaram pela minha cama o último deles, um italiano marinheiro que conheci  numa boate me veio com uma conversa de transa tântrica uma foda espiritual dizia ele você nunca viu nada igual é coisa de gozar horas seguidas em delícias inimaginadas eu hein?ela disse que papo é esse,garoto,e ele disse ainda tenho um livro que quero lhe mostrar o camasutra já viu falar e ela  não que livro é esse e ele  um livro indiano sânscrito de sexo e das inúmeras formas de gozar  e ela quero ver.
e ali sua vida começou a mudar do sexo comum feijão com arroz para coisas inusitadas ela ficou com o livro e dispensou o amante que se foi assim que vieram outros e com cada um foi treinando posições malucas e impensadas e certas coisas começaram a tomar conta de sua cabeça já não lhe bastavam mais as fodas os arroubos os gozos os caralhos latejando em sua buceta  queria mais muito mais queria posse total dos machos e quieta, analisava e estudava cada passo, armava os botes e se esquecia pelos cantos, às vezes, semanas sem trepar buscando um caminho
a neta não sabe ao certo o que acontecera pois o livro de novo com páginas arrancadas como se alguém quisesse ocultar alguma maldição algum segredo cabeludo algum distúrbio a neta nem sabe se sua vó tinha se casado ou quem era o seu avô sua mãe nunca lhe dissera isso nem lhe falara sobre a vó essa mulher misteriosa e mágica que lá pelos idos de mil novecentos e noventa e tantos começara uma carreira vitoriosa e devassa de devoradora de homens
poemas: me descobri poeta, e a cada cara que me come escrevo um poema a ele dedicado dizia a uma única amiga que privou de suas intimidades quando jovem: e os poemas, fragmentos deles,  ainda adornavam o diário e davam conta de seus  múltiplos parceiros em orgias dignas de Baco e Dioniso e a amiga ria e se excitava com aquelas descrições de fodas  nos mínimos detalhes e com elogios ou desaforos conforme o caso e conforme o homem
nina n. uma certa noite lá dos anos dois mil e poucos já doutora em posições do camasutra e já escolada em lições de como prender e manipular os homens do modo que quisesse já não mais se satisfazia com esses gozos materiais com esses orgasmos comuns de mortais e começou a descobrir o caminho a seguir em suas novas investidas isso ela já com mais de 30-corpo perfeito peitos bunda coxa buceta cara tudo de uma beleza  renascentista um Vênus saindo das águas algo assim como boticelli reinventado
mas ela um dia se sentiu diferente, numa noite de amor com um parceiro jovem, afoito e escorregadio ela sentiu um cio diferente e uma coceira que lhe crescia pelos pés, pelas coxas, sub-vindo pela bunda e por todo o corpo- e ao se olhar no espelho, no auge do sexo,ele, o macho se estatelou na cama de susto e de nojo: debaixo dele, com oito pernas escancaradas e uma buceta animal estava uma tarântula- uma viuva-negra, uma vulva de veludo a sugar seu caralho a sugar seu quadril suas coxas  suas pernas, a devorar o seu corpo inteiro no calor de um orgasmo inimaginado
a neta procura no diário de nina n. mais informações sobre a vó que desaparecera sem deixar notícias- seus pais há muito não sabiam dela pois morava sozinha  em outra cidade- marido, não tinha, amantes, eram passageiros. amigas, poucas, que não sabiam notícias ficou louca uns diziam e se mudou foi presa por assassinatos diziam outros mas ninguém sabia. De nina n.
sabe-se apenas que surtara e sumira no mundo. Nem restos foram encontrados do último amante que a esposa procurou como agulha num palheiro ajudada pela policia. apenas sobraram em seu apartamento algumas fotos de uma bela mulher, com a vasta cabeleira negra adornada com uma camélia branca, uma billie holliday, uma vida dramática, uns  estilhaços  de poemas páginas rasgadas de um diário que estavam espalhadas pelo chão e ainda havia versos rabiscados em sangue na última página que não fora arrancada
lá em 2013 a neta se assusta e se assanha com a sanha dessa vó: na última página uns versos escritos em sangue em língua estranha

propter quod amat
 mactaverimus amoris
 iugum absurdum

 e pelos negros grudados no visco trazem-lhe dúvidas mais do que certezas:
onde andará nina n?
                    
       

Um comentário:

Adriana Godoy disse...

Danilo, que texto mais que demais, algo denso, algo pungente, algo poeticamente forte. Você, meu amigo, é um escritor de primeira linha, desses que a gente lê e quer mais e mais.

Um 2013 mais que porreta pra você. Beijo