..sentia-se assim
quando caminhava pela rua na névoa da madrugada, voltando das suas aventuras
elipticoetílicas pelos bares e boates sentia-se nas brumas de Rimini, personagem de Amarcord, perdida à procura de
afeto e carinho em qualquer braço de bruços nos abraços de cada homem com quem passava as
noites e
caminhava atônita,
catatônica na neblina, buscando seus pares era
puta na estrada gelsomina buscando uma razão de viver suas razões de ser
nas noites de neblina nunca entendera a vida como aprendeu desde criança,
aquela vida de menina que crescia pensando no casamento, ninando bonecas,
brincando de dona de casa, esperando na janela o tempo passar e com ele o
encontro, quem sabe, daquele príncipe encantado que a levaria ao paraíso
crescera assim solta, menina onde é que você
vai a essas horas? fazer o que na praça? menina não pode tomar banho de rio
pelada com meninos, meninos são maus e vão te pegar e ela ria e ria e rindo
levava a vida no balanço das horas, menina sabe que horas você chegou onde é
que estava e ela enrolava e rolava de rir mijando e se cagando para aquele
monte de xingos e de regras quero mais é que tudo se arrebente que o mundo se
acabe em mel ou que tudo se foda tanto faz.
filha, pare de chorar se não te pega O bicho papão (e o
nenê,recém cheirando a leite se enrola, de novo feito feto e se
esconde,enrodilhado)
menina, fica quieta e não se junte aos meninos:menino é mau, e te pega e faz besteiras(e menina- flor que se abre delicada ao mundo descobre o imundo que se esconde no fundo de toda cabeça e se cala, e não se toca,
e se encolhe feito caramujo em seu caracol).
menina, fica quieta e não se junte aos meninos:menino é mau, e te pega e faz besteiras(e menina- flor que se abre delicada ao mundo descobre o imundo que se esconde no fundo de toda cabeça e se cala, e não se toca,
e se encolhe feito caramujo em seu caracol).
sou cabíria, perdida na noite menina que está
na roda que não é cor de rosa, e quero
rodar na vida buscando sentidos novos para esta vida quero achar a rosa rara o
pote do arco-íris, a moeda numero um,
quero o uno e o indivisível, quero a parte e quero o todo, quero tudo
pois estou viva e quero
era sim, mal educada com os mais velhos que
só sabiam meter medo na sua cabeça de adolescente menina cuidado com os meninos
eles vão te estragar, não se entregue na mão de qualquer um, procure um bom
partido e ela se lixando quero mais é me abrir para o mundo mundo vasto varal de promessas, quero as estórias de
cordel, as passagens para o infinito, as cantigas de roda num ritmo novo,
tambores ensurdecendo os tímpanos nas noites ancestrais
:
riscos, correr riscos, nada mais. riscos,
traços e rabiscos nos papéis de seda das pipas da infância quero mais é cair na
gandaia, ela dizia, feito barata tonta, depois vemos no que dá.
sentia-se assim. felliniana. às vezes julieta
em seus delírios psicodélitrópicos, em derramamentos de cores surreais
arrebentando correntes, quebrando o ovo e buscando novos mundos, um demian
redivivo ou como um bergman, batia-lhe
um desespero doido, doído, e ela pensava na morte, no fim, e se encolhia num
canto e se adentrava em si mesma, alma escondida num corpo miúdo, observando a
cena como se estivesse numa viagem astral.
Garota,
toma cuidado com esses seus namorados:Homem é bicho atoa ele te pega e te come
e se vai:(e a mocinha- flor em ebulição em livre viço e rebuliço de seios
e sexo fervendo de desejo se recolhe no ardor do medo
e no escuro do quarto ainda se toca,mas com medo. duo inferno e expurgatório:
e no escuro do quarto ainda se toca,mas com medo. duo inferno e expurgatório:
há salvação?)
e navegava infernos interiores e não estava
nem aí para os outonos e primaveras que se desabrochavam à sua frente. era
ainda apenas um a criança menina moça mulher se abrindo e já antecipando tantas
buscas tantas perguntas tantas loucuras
vindas de suas leituras malucas de poetas
tantos baudelaire rimbaud pessoas
lautreamonts e outros que ela aprendeu a
amar no silêncio das bibliotecas, sozinha no escuro de si mesma.
senhora,muito cuidado ao caminhar assim, elegante pelas ruas e
becos:olha os bandidos, olha os gigolôs que só querem seu dinheiro
vendendo sexo como se fosse pipoca. e não carinho.
( assustada, reduz os passos, alonga o vestido,]esconde os peitos no decote e se recata e corre para a igreja,ali sim, refúgio, sem perigos?:
vendendo sexo como se fosse pipoca. e não carinho.
( assustada, reduz os passos, alonga o vestido,]esconde os peitos no decote e se recata e corre para a igreja,ali sim, refúgio, sem perigos?:
:
ainda há salvação?)
oi-tee-nta
anos. que foram junto com os
tempos,bonecas e cirandinhas,
os vestidos decotados,os arroubos de menina e o assanho de moça:
os tempos foram junto com os anos vermelhos de faces coradas e desejos
arredios e ardidos as mãos tocando o sexo de noite, às escondidas
buscando o gozo: e o pecado e a vergonha,e a salvação:ainda há salvação?) cuidado senhora, não saia assim sem o seu casaco
e o seu cachecol de lã a a morte é insidiosa e ela vem te pegar:
( cansada,de solidões e agouros um poço de velhas lembranças de tudo que ouviveu de tudo que sentiu de tudo que sofreu da salvação que não houve nem mais ouve: que venha
os vestidos decotados,os arroubos de menina e o assanho de moça:
os tempos foram junto com os anos vermelhos de faces coradas e desejos
arredios e ardidos as mãos tocando o sexo de noite, às escondidas
buscando o gozo: e o pecado e a vergonha,e a salvação:ainda há salvação?) cuidado senhora, não saia assim sem o seu casaco
e o seu cachecol de lã a a morte é insidiosa e ela vem te pegar:
( cansada,de solidões e agouros um poço de velhas lembranças de tudo que ouviveu de tudo que sentiu de tudo que sofreu da salvação que não houve nem mais ouve: que venha
a insidiosa e que venha me pegar me carregando em seu braço
de volúpia e perdição:(mas a morte, insidiosa,nem esta vem pegá-la:
prefere outras, mais jovens,perdidas em vícios e frescor:
felliniana, um clown de si mesma, caminhando nas neblinas, nas brumas geladas das noites, nos descaminhos dos bares, no desconforto dos espinhos, nas estradas mais escuras, sem samaritanos a lhe dar guarida, assim ela caminhava, e ia aprendendo da vida as lições mais bonitas... não só andar no claro na luz no mundo das vitrines e dos bonitos, mas sim entregar-se ao mundo verdadeiro, buscando, em cada um, aquilo que ela sabia que poderia aprender
:
para assim poder dizer, um dia: até que fui
feliz.
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