domingo, 8 de setembro de 2013

feel- iniana

..sentia-se assim quando caminhava pela rua na névoa da madrugada, voltando das suas aventuras elipticoetílicas pelos bares e boates sentia-se nas brumas de Rimini,  personagem de Amarcord, perdida à procura de afeto e carinho em qualquer braço de bruços  nos abraços de cada homem com quem passava as noites e

caminhava atônita, catatônica na neblina, buscando seus pares era  puta na estrada gelsomina buscando uma razão de viver suas razões de ser nas noites de neblina nunca entendera a vida como aprendeu desde criança, aquela vida de menina que crescia pensando no casamento, ninando bonecas, brincando de dona de casa, esperando na janela o tempo passar e com ele o encontro, quem sabe, daquele príncipe encantado que a levaria ao paraíso
crescera assim solta, menina onde é que você vai a essas horas? fazer o que na praça? menina não pode tomar banho de rio pelada com meninos, meninos são maus e vão te pegar e ela ria e ria e rindo levava a vida no balanço das horas, menina sabe que horas você chegou onde é que estava e ela enrolava e rolava de rir mijando e se cagando para aquele monte de xingos e de regras quero mais é que tudo se arrebente que o mundo se acabe em mel ou que tudo se foda tanto faz.
filha, pare de chorar se não te pega O bicho papão (e o nenê,recém cheirando a leite se enrola, de novo feito feto e se esconde,enrodilhado)
menina, fica quieta e não se junte aos meninos:menino é mau, e te pega e faz besteiras(e menina- flor que se abre delicada ao mundo descobre o imundo que se esconde no fundo de toda cabeça e se cala, e não se toca,
e se encolhe feito caramujo em seu caracol).

sou cabíria, perdida na noite menina que está na roda que não é cor de rosa,  e quero rodar na vida buscando sentidos novos para esta vida quero achar a rosa rara o pote do arco-íris, a moeda numero um,  quero o uno e o indivisível, quero a parte e quero o todo, quero tudo pois estou viva e quero

era sim, mal educada com os mais velhos que só sabiam meter medo na sua cabeça de adolescente menina cuidado com os meninos eles vão te estragar, não se entregue na mão de qualquer um, procure um bom partido e ela se lixando quero mais é me abrir para o mundo mundo vasto  varal de promessas, quero as estórias de cordel, as passagens para o infinito, as cantigas de roda num ritmo novo, tambores ensurdecendo os tímpanos nas noites ancestrais
:
riscos, correr riscos, nada mais. riscos, traços e rabiscos nos papéis de seda das pipas da infância quero mais é cair na gandaia, ela dizia, feito barata tonta, depois vemos no que dá.

sentia-se assim. felliniana. às vezes julieta em seus delírios psicodélitrópicos, em derramamentos de cores surreais arrebentando correntes, quebrando o ovo e buscando novos mundos, um demian redivivo ou como um  bergman, batia-lhe um desespero doido, doído, e ela pensava na morte, no fim, e se encolhia num canto e se adentrava em si mesma, alma escondida num corpo miúdo, observando a cena como se estivesse numa viagem astral.

Garota, toma cuidado com esses seus namorados:Homem é bicho atoa ele te pega e te come e se vai:(e a mocinha- flor em ebulição em livre viço e rebuliço de seios e sexo fervendo de desejo se recolhe no ardor do medo
e no escuro do quarto  ainda se toca,mas com medo. duo inferno e expurgatório:

 há salvação?)


e navegava infernos interiores e não estava nem aí para os outonos e primaveras que se desabrochavam à sua frente. era ainda apenas um a criança menina moça mulher se abrindo e já antecipando tantas buscas tantas perguntas  tantas loucuras vindas de suas leituras malucas de poetas  tantos baudelaire rimbaud   pessoas lautreamonts e  outros que ela aprendeu a amar no silêncio das bibliotecas, sozinha no escuro de si mesma.


senhora,muito cuidado ao caminhar assim, elegante pelas ruas e becos:olha os bandidos, olha os gigolôs que só querem seu dinheiro
vendendo sexo como se fosse pipoca.  e não carinho.

( assustada, reduz os passos, alonga o vestido,]esconde os peitos no decote e  se recata e corre para a igreja,ali sim, refúgio, sem perigos?:
:
ainda há salvação?)



oi-tee-nta anos.  que foram junto com os tempos,bonecas e cirandinhas,
os vestidos decotados,os arroubos de menina e o assanho de moça:
os tempos foram junto com os anos vermelhos de faces coradas e desejos
arredios e ardidos as mãos tocando o sexo de noite, às escondidas
buscando o gozo: e o pecado e a vergonha,e a salvação:ainda há salvação?) cuidado senhora, não saia assim sem o seu casaco
e o seu cachecol de lã a a morte é insidiosa e ela vem te pegar:

( cansada,de solidões e agouros um poço de velhas lembranças de tudo que ouviveu de tudo que  sentiu de tudo que  sofreu da salvação que não houve nem mais ouve: que venha

a insidiosa e que venha me pegar me carregando em seu braço
de volúpia e perdição:(mas a morte, insidiosa,nem esta vem pegá-la:
prefere outras, mais jovens,perdidas em vícios e frescor:

felliniana, um clown de si mesma, caminhando nas neblinas, nas brumas geladas das noites, nos descaminhos dos bares, no desconforto dos espinhos, nas estradas mais  escuras, sem samaritanos a lhe dar guarida, assim ela caminhava, e ia aprendendo da vida as lições mais bonitas... não só andar no claro na luz no mundo das vitrines e dos bonitos, mas sim entregar-se ao mundo verdadeiro, buscando, em cada um, aquilo que ela sabia que poderia aprender
:


para assim poder dizer, um dia: até que fui feliz.  

Nenhum comentário: