domingo, 7 de abril de 2013
desquadrilhas
eu não acredito em juras de amor.
pelo amor de deus!
eu não acredito em deus.
tum tum tum tum tum soou como se fosse um toma
distraído.
Por um desses caprichos do destino Noel sobreviveu a Carmem. E Carmem sobreviveu a Noel, isso já foi dito antes,
lá pelo narrador. Noel não...parece que estava predestinado a morrer daquele câncer no fígado, tanto que Carmem já
ironizava, ouvindo rorô e bebendo todas eu sou a última a lhe dizer adeus tum tum tum mas Noel sobreviveu. E assim,
meio que por um deseo de ser solidário com os sofredores, os desesperados, procurou um desses SOS vida que rolam
por aí, linhas telefônicas para consolo conselhos e afetos mesmo que simulados quem sabe salvar vidas como a dele
fora salva por uma mão invisível deus?ele também não acreditava em deus. E nem mais em Carmem. Mas a vida
continuava e ele acreditava na vida.
E foi numa dessas noites geladas chovia prá caralho e ele nem queria ir para o seu posto de salvador de vidas por
quaisquer vias que ele conheceu aquela moça que ele não sabe porque mexeu com ele ela chorava ao telefone e
dizia que estava navegando um mar de pesadelos sangue vermelho escorrendo do teto lama nos lençóis pés
afundados em lodos e podres e ele ouvia tudo e nem sabia o que falar é claro quem essa maluca está atolada é em
drogas essa onda esse barato e ela dizendo acho que vou morrer não sei mais o que faço tem um monte de monstros
me espionando qual o seu nome onde você está tem alguém com você e ela respondia meu nome é Cristina c. to
sozinha quer dizer eu e meus monstros que me espiam e esperam a hora de me devorar to aqui na minha casa nos
jardins anote aí o endereço e ele paciente ia anotando e notando de repente que aquela voz em vez de piedade lhe
dava tesão e pensava porra eu preciso conhecer essa mulher acho que vou pessoalmente prestar socorro e Carmem?
Carmem continuava a analisar vísceras alheias mas não sofria nada com o que via e ouvia cânceres tumores choros
lágrimas desesperos para ela nada queria dizer nada pois estava trespassada das dores da vida e não se logava nas
mortes alheias nem prá sua ela ligava enquanto se afogava em bebidas e em blues suas noites eram um descaminho
até os bares mais perto de casa onde ficaaaaava até altas horas buscando conforto e prazer no calor dos copos, às
vezes se deixava levar por algum cara até por outras mulheres para sentir um pouco de suor naquele frio que tomava
conta de sua vida havia muito tempo desde que Noel a deixara naquela noite Carmem notou um sujeito estranho
sentado numa mesa perto da saída tinha um ar assim, uns olhos parados, uma cara de intelectual manjado uns olhos
arregalados e parece que nem estava ali- sentiu-se atraída por aquela figura parece que saída de um conto de
Lovecraft ou de Poe todo vestido de preto e ela pelo contrário de vestido vermelho boca pintada uma Carmem de bizet
dramatilirica etílica rodopiando a bunda e os peitos ah se eu fosse a carmem de Bizet ela dizia e ficava só por isso mas
naquela noite sentia-se operística- muito drama muito lírica muito éter muito álcool por isso sentou-se na mesa com
aquele cara com cara de malucão e perguntou assim na cara dura ei tudo na boa?e o cara olhou prá ela com os olhos
ainda mais arregalados e como?eu conheço você sua maluca e ela disse não mas eu quero te cohecer e ele sou
Gregório Gregório m. e ando muito solitário muito doido e nem sei mais o que fazer da minha vida ei o que você faz e
ele sou escritor frustado poeta despirocado acho que não sou nada sou apenas um sopro de vento um cisco um risco
no breve espaço entre o tudo e o nada e ela achou aquilo lindo nossa você é mesmo um poeta e ele você faz o que?
carmem ah sou patologista quer dizer ei eu sei o que é patologista sei mas você não sabe da doideira
que é ver
órgãos e órgãos humanos deteriorados carcomidos destroçados e ver as caras de desespero e de dor daqueles que
não sabem que o corpo é finito que a beleza é efêmera que a alegria é inútil e passageira e que a dor abraça a todos
com a mesma garra e a mesma gana ei isso é coisa de poeta seu nome qual é?carmem porra que legal assim de
vermelho me lembra a de Bizet e ela adoro a Carmem de Bizet adoro blues e musicas de fossa mas de que estamos
falando afinal? Hoje é sábado to de folga e não vim aqui prá chorar nem prá lamentar dores minhas e alheias eu to
aqui para beber e farrear e aí desce mais uma? E eles ficaram ali,como velhos amigos noite adentro, tomando todas,
ele já com os olhos menos arregalados olhava prá ela com expressões de carinho e sentia uma coisa no coração que
lhe aquecia alma engraçado que que seria aquilo
Noel não se conteve ao ouvir a voz chorosa da moça do outro lado da linha e lhe disse vou até aí prá te ajudar e ela
mas venha rápido senão os monstros vão me engolir e ele com pena daquela voz aprisionada em si própria como
seria essa Cristina c. c de que? de cansada de castigada de crucificada pelos seus próprios medos e ele acelerava o
carro tava longe dos jardins tava na periferia mas de madrugada era mais rápido o trânsito e ele finalmente chegou
ao endereço o porteiro quis criar caso mas ele interfonou e a moça de voz miúda mandiu subir ele encontrou a porta
fechada teve que arrombar e quando entrou no quarto da moça de voz miúda Cristina c. estava jogada sobre a cama
fios escorriam de sangue ver.melho sobre os lençóis brancos e o chão era um marrevolto de lama e flutuavam sombras
sobre a cama parecendo querer a moça a qualquer custo e então Noel deu um berro CHEGA que assustou até as
potestades do outro lado do universo CHEGA porra deixa a moça em paz naquele instante por um momento parece
que um ar limpo penetrou o quarto uma aura de luz luminou as caras de Noel e de Cristina c. e uma música suave
tocou ao fundo aumentando aumentando e culminando uma ode à alegria e os dois se olharam nos olhos( paercendo
uma cena de contos de fadas mas é intencional) e descobriram semelhanças entre seus desesperos
Naquele impreciso momento, em uma outra parte qualquer da cidade, outros dois também encontravam semelhanças
entre suas dores e desencantos e se olhavam nos olhos e gregorio m. disse prá Carmem vamos pro meu apartamento
quero dançar uma valsa com você nós dois muito doidos vamos brincar de touro e toureiro você vai ver vou te agarrar
e trepar até que você desmaie debaixo de mim vamos lá e Carmem por que não? Vamos lá
Nesse ponto o narrado saí de cena e deixa os dois improváveis casais encontrarem-se, tatearem-se,
tocarem-se, teatralizarem-se, poetizarem-se buscando o encontro perfeito onde vão soltar os bichos e as dores e,
pelo menos naqueles momentos, ser felizes(felizes ou saciados?) esquecendo-se dos tuneis de lama, dos monstros no
escuro, dos personagens malucos, das biopsias, autopsias, lamentos, uivos e berros de dor
E de desencantos da vida
E o narrador se dirige ao outro narrador, de quem apropriou seus personagens, alongando-lhes as estórias
com uma complacência e uma bondade muito suspeitas, e lhe diz:
Camarada zappa, e aí, todos não tem o direito a um final feliz?
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2 comentários:
Putz! Delírio total!
Em sua melhor forma, Danilo!
Beijo
Zappa já leu?
caramba: aqui outro sou e ainda não sendo eu e outro: melhor com o dan: danando infernando e afinando afinidades sutis: muito bom!
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