quarta-feira, 24 de abril de 2013
A Nona
não sabia desde quando tinha aquela atração louca pela nona de Beethoven.ahava que
tudo tinha começado quando, lá pelos idos de setenta e um, viu aquele filme maluco laranja
mecânica do Kubrick onde Alex e seus drugues barbarizavam tocavam o terror embalados
ao doce som da ode à alegria e aos movimentos cadenciados da nona. Lembra que logo
depois de ver o filme, isso com vinte e um, buscou a leitura do livro que originara o filme e
ficara ainda mais fascinado com aquele universo criado pelo burguess, com todo aquele novo
palavreado aquela junção de tantas línguas para formar novas nomenclaturas e renomear os
bois digo todas as coisas e ele pensava porra esse burguer e ele confundia com hambúrguer
pois achava tudo parecido esse cara era o bicho criando a todo aquele universo paralelo num
mundo futurista que podia ser agora com tanta ditadura tanto totalitarismo e aquela música
de Beethoven coro de anjos exultando o espírito e qual era afinal a mensagem? Abaixo a
violência gratuita abaixo a ditadura abaixo a mesmerização a coisificação e viva a revolução
dos costumes e a individualidade num mundo de bonecos e robôs? E ele sabe já se passaram
mais de quarenta anos e até hoje ainda não saquei de verdade a mensagem daquela laranja
que não apodreceu pelo contrário continuam hoje aí vivas as contestações as ilusões os véus
de maia tapando as mentes todas essas primaveras estourando por aí e
ficava horas a fio ouvindo as sinfonias de Ludwig van parecia até o Alex e flutuava no azul
do quarto quando as notas alcançavam sua alma e ele se pegava pensando no longo da vida
no louco da vida nas ânsias da vida tudo isso ali naquela sinfonias e ele via à sua frente o
alemão de braços abertos a reger suas emoções e ao mesmo tempo também via Ludwig
van no momento da morte esmurrando o ar arregalando os olhos e caindo sobre a cama
sem entender o fim: afinal o homem estava surdo há muitos anos e criava maravilhas que
ele jamais conseguiria compreender integralmente em todas as nuances e de repente pum
estoura-lhe o coração e o fígado dizem que morreu de contaminação por chumbo que bebia
muito vinho que era doente desde novo mas nada disso impediu sua genialidade
ficava horas a fio sozinho no quarto ouvindo a nona e não sabia fazer nada mais além disso:
sua história era mais do que manjada e sua vida não daria um romance que nem a de Ludwig
van. Sua vida era uma vida de mesquinharias de pequenos atropelos de relacionamentos vãos
de empregos mal enjambrados de amores mal resolvidos de filhos mal educados enfim sua
vida não daria um romance? Afinal qual a matéria prima dos romances que não as dores do ser
humano comum perdido em meio ao caos às brumas
perdido e pendido entre tantos caminhos e escolhas entre eros e tanatos entre virtudes e
vícios entre freuds e reichs entre divãs ou viagens artificiais afinal o que é que move o mundo
o que é que move os homens nesses caminhos tão desarvorados tão sem sentidos qual é o
sentido das vida afinal e ele fica ali em frente ao vazio do mundo em frente àquela parede
caiada de branca tingida de ausências caiada de solidões ouvimndo ludwig van e relembrando
ao mesmo tempo cenas da laranja mecânica e sua tentativa vã de explicar a dicotomia entre
individualidade e solidariedade entre vicio e virtude entre discernimento e confusão mental
entre livre arbitrio ou contenção dos sentidos: será que o caminho seria o desregramento
dos sentidos c omo os poetas românticos que se entupiam de ópio e absinto e vislumbravam
outros mundos como um castaneda que abria portas regadas a mescalina será que o caminho
seria a elevação espiritual através do êxtase religioso como tereza e seus cantos de amor
desmesurado pela divindade como os brâmanes e seus desligamentos do real para alcançar
nirvanas
pensa logo em kurt, outro poeta desesperado e roquenrol e em mais uma dúzia deles todos
que partiram cedo demais na busca do paraíso será que pasárgada seria esse paraíso tão
buscado um xangrilá prá lá de marrakesh?
ludwig van. lhe dá esse poder de concentração de meditação de levitação ludwig jamais
poderia supor que sua música divina viesse a se transformar em trilha sonora de analises
espiriturais de viagens carnais de
de embalos sensoriais sim já havia ouvido a nona em diversas festas de som eletrônico é ainda
freqüentava essas baladas malucas que duravam noites todas loucas tribais e ludwig rolava lá
era possível?: era pois ludwig cabia em todas as suas horas e ele pensava
(aqui entra o narrador já preocupado com o excesso de verbalização do personagem com tanta tautologia que não
leva a lugar algum porra afinal conto não tem que ter uma história um fio condutor um início meio e fim afinal tem
que contar alguma coisa)
E ai,senhor personagem sem nome que vou de L/V, vai ficar aí nesse divã revisando conceitos
desfiando memórias de não acontecenças brigando com as palavras e não vai contar nenhuma
história- assim os leitores não agüentam e deixa logo logo de ler seus escritos. Cê tá parecendo
um personagem à procura de um autor e coisa de pirandello
Ou seria um autor buscando personagens plausíveis para figurar em seus contos personagens
iguais ao da vida real a vida imita a arte ou a arte imita a vida é uma simbiose louca e ei e
quem disse que conto tem que ter tanta ação tanto movimento tanta história?
(num aparte, o personagem se revolta e tece comentários sobre o texto e se diz manipulado e direcionado pelo
autor)
Olha veio eu queria ser detentor do meu destino e não um fantoche um títere manipulado
pelas suas convicções sobre o que é literatura- na verdade isso aqui pode não ser um conto
pode sim ser um anticonto, um dramático canto de cisne que não enxerga frestas nem
brechas numa massa de corpos que giram nos universos e que não vê portas se abrindo mas
despenhadeiros esfacelando sonhos engolindo sapos estrelas candentes de promessas não
cumpridas de vontades relegadas de sentimentos negados e
(aqui o narrador retoma o fio)
afinal o que é estar vivo? o que significa estagnar aqui,assim, num dia assim,in extremis como
Bilac contemplando e ouvindo estrelas e os filhos todos crescidos pelo mundo nem sabe
por onde andam e a as duas ex mulheres sempre nas barras dos tribunais buscando mais e
mais e ele ali, sozinho de novo, solitário contemplando paredes brancas caídas de solidão
e de desespero comendo pizzas ele que já fora vegetariano macro convicto lá pelos anos
setenta hoje restam-lhe tatuagens pela pele flácida rugas destruindo as linhas do sorriso e
criando marcas indeléveis muitos dizem é vida mas ele sabe que não na verdade é o caminho
irreversível para a solidão e para a ruína
será que vai morrer um dia assim como Ludwig van socando o ar e arregalando os olhos pra
encegar melhor o vazio que se abrirá diante dele? será que vai conseguir encarar o dragão do
caos ele o santo guerreiro da luta contra a mediocridade e os lugares comuns afinal vai ser
tragado pelo lugar mais comum, pela vala comum?
será que vai ainda descobrir alguma coisa nova que lhe traga prazer e alumbramento, uma
epifania oculta na música de ludwig, uma sinfonia anônima e soterrada em algum canto da
memória?
ele não sabe de mais nada.só queria ficar ali, ouvindo a nona, até que a imensidão abra
seus braços e o embale embolando suas pernas enroscando-o como feto e quem sabe?
devolvendo-o ao mundo num jato de luz?
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