quarta-feira, 23 de setembro de 2009
salva-ções
foto: victorian children - east lothian museums/flickr
Filha, pare de chorar
Se não te pega
O bicho papão
(e o nenê,recém
Cheirando a leite
Se enrola, de novo feito feto
E se esconde,enrodilhado)
Menina, fica quieta
E não se junte aos meninos:
Menino é mau, e te pega
E faz besteiras
(e menina- flor que se abre
Delicada ao mundo
Descobre o imundo
Que se esconde no fundo
De toda cabeça
E se cala, e não se toca,
E se encolhe
Feito caramujo
Em seu caracol).
Garota, toma cuidado
Com esses seus namorados:
Homem é bicho atoa
Ele te pega e te come
E se vai:
(e a mocinha- flor em ebulição
Em livre viço e rebuliço
De seios e sexo frementes
De desejo
Se recolhe,
No ardor do medo
E no escuro do quarto
Ainda se toca,mas
Co0m medo
Do inferno e purgatório:
Não há salvação
Possível?)
Senhora,muito cuidado
Ao caminhar assim, elegante
Pelas ruas e becos:
Olha os bandidos, olha os gigolôs
Que só querem seu dinheiro
Vendendo sexo
Como se fosse pipoca
E não carinho.
(e a senhora, assustada,
Reduz os passos, alonga o vestido,]
Esconde os seios
No decote
E se recata e corre para a igreja,
Ali sim, refúgio, sem perigos:
Ainda há salvação?)
Oiteenta anos. Os anos foram
Junto com os tempos,
Bonecas e cirandinhas,
Os vestidos decotados,
Os arroubos de menina
E o assanho de moça:
Os tempos foram
Junto com os anos vermelhos
De faces coradas e desejos
Arredios e ardidos
As mãos tocando o sexo
De noite, às escondidas
Buscando o gozo:
E o pecado, e a vergonha,
E a salvação:
Ainda há salvação?)
Cuidado senhora, não saia
Assim sem o seu casaco
E o seu cachecol de lã:
A morte é insidiosa
E ela vem te pegar:
(mas a senhora, cansada,
De solidões e agouros
Um poço de velhas lembranças
De tudo que não viveu
De tudo que não sentiu
De tudo que não sofreu
Da salvação que não houve
Nem mais ouve: que venha
A insidiosa
E que venha me pegar
Me carregando em seu braço
De volúpia e perdição:
(mas a morte, insidiosa,
Nem esta vem lhe pegar:
prefere outras, mais jovens,
Perdidas em vícios e frescor:
E então ela se pergunta
Tonta de tanta ausência:
A salvação- inda
Terei salvação?)
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5 comentários:
Danilo, um poema tão interessante, tão bem articulado, que dá gosto. Se há salvação, não sabemos , mas vc está redimido de todos os seus pecados pelo poema. Beijo.
Nossa, Danilo, que texto forte.
Parabéns!
voltei para ler mais um pouquinho e agradecer a visita. Fico honrado com cada comentário, a certeza de que mais uma pessoa leu minhas palavras - frutos de dúvidas e anciedades. Meus amigos e colegas nunca compreenderam bem essa mnha opção pela poesia. Se bem que não é escolha, é chamado.
Há-braços Danilo! Ganhaste mais um leitor curioso!
belíssima imagem. e que poema, meu caro. pensava inda gora, na verdade às voltas com esse pensar, essa coisa de homem não presta, de politicamente correto... ai, que coisa... claro que o mundo é machista, mas agora o peso dessa palavra anda em tudo....
um beijo.
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