muitos anos depois, ao se descobrirem os guardados de nina n.
que permaneciam ocultos em baús lacrados no quarto de despejo da casa onde
viveu um dia e que sua neta hoje fuça com avidez querendo encontrar histórias
daquela vó maluca que dizem comia homens como quem devorava biscoitos com chá
lá pelos idos dos mil e novecentos e não sei quantos
porra, um diário, a vó escrevia um diário e era a mão
naquele tempo não nesses blogs expostos de hoje em dia nesses feicibuques
exibicionistas em que todos se expõe e a vida íntima é dissecada e cagada como
numa ida ao banheiro era de verdade tinta no papel lacre na capa porra que
legal deixa eu ler o que ela dizia primeira data 25 de abril de 1998
Do diário de nina n. vinte e cinco de abril de 1998
hoje é meu aniversário tô completando dezoito até que enfim
esse tempo todo tenho estado em brasa esperando conhecer mão de homem e nem me
esforço mais prá esconder minha vontade de me agarrar ao primeiro rapaz que me
aparecer quero sentir o cheiro do outro corpo se agarrando a mim sei que sou
linda ainda que me enfeie por obrigação de obediência à mãe sei que sou gostosa
ainda que aperte meus peitos durinhos nessa blusa folgada e sem corte prá não
assanhar os rapazes mãe dizia filha toma cuidado eles só querem se aproveitar e
abusar de você e ela pensava:comer, eles só querem me comer, e é o que espero deles: que me comam, que me
fodam, que me enrabem, que me transformem em seus objetos de prazer só que
muito mais do que eles eu é que quero tê-los todos aos meus pés amantes
saciados e felizes amarrados presos ao meu laço ao meu cabresto bestas
enjauladas, que eu
merda folhas rasgadas, arrancadas , várias folhas, a velha era foda prá caralho e eu que pensava que naquele tempo as meninas
se guardavam virgenzinhas pro marido aquela coisa de cinema de honra e etc e
tal, mas
mil novecentos e noventa e oito- nina n. se recosta na
cadeira de balanço de sua avó- está estirada, o corpo todo jogado para trás, o
corpo um turbilhão uma fornalha um tesão-peitos salientes, coxas longas e
grossas, boca escancarada, cabelos jogados sobre o rosto mamãe não está
papai pro trabalho vovó bem vovoó ..
vovoó.. - velha, esclerosada, do outro lado da sala tecendo crochê nem vê nina
que acabou de escrever no seu diário as anãotações do seu primeiro aniversário
de mulher: dezoito anos, mil idéias na cabeça, uma festa, vou dar uma festa,
vou chamar rapazes vamos sair por aí quero tudo que ainda não tive quero a
loucura a respiração ofegante a boca na boca
sentar no colo dos meninos sentir os paus duros varando as calças e
tocando –me por cima das roupas em brasa que não demorarei a tirar
nina n. sonha com devassidões, com histórias pornográficas
com coisas que ela andou lendo quadrinhos de valentina, escritos de apolinaire, de bataille, lautreamont como? você anda
lendo essas porcarias menina? catecismos de zéfiro menina que te boto de
castigo você vai se confessar hoje contar ao padre essas e outras vou queimar
todos esses livros malucos história de um olho as onze mil varas cantos de
maldoror e outras putarias descaradas que chamam de
literatura libertária nina você só tem dezoito anos e
desde pequena estava acostumada a ler aquelas narrativas,
que pegava escondido nas bibliotecas, sem que o pai soubesse, sem que nem as
bibliotecárias soubessem inventava
identidades, idades, capacidades e subtraía livros eróticos como a querer se
desvendar para o mundo se desvelar para os homens se entregar aos prazeres
frementes de sua carne que tremia tremeluzia feito estrelas no cio no céu de
tantas bocas
nina n.dezoito, sentia-se dona do mundo, dos mundos, dos
seus mundos e os homens a esperavam do lado de fora daquela casa daquele
castelo onde ela se sentia rapunzel aprisionada injustiçada, sem príncipe que viesse lhe pedir
as tranças e fodê-la como ela queria e imaginava nas noites longas e mal
dormidas desde a adolescência nas indecentes brincadeiras de meninas se tocando
sentindo o gozo das bucetas em brasa e a ânsia doida e doída de devorada por
bocas sedentas.
nina,vamos dar um rolê por ai? na prainha é legal, rola um
som, tem uma trailers de cachorro quente e bebidas e muito espaço prá gente
encostar o carro e namorar... você quer namorar comigo, nina? O primeiro
contato o primeiro cara o primeiro caralho de verdade a lhe tocar as coxas a
aquecer sua boca ela sonhando ela pensando ela na dúvida ela ele eles e aquela
lua linda e um carro velho e rolou a primeira trepada, o primeiro macho, a
primeira vez que ela nunca esqueceu ele foi bruto foi tosco gozou rápido demais
mas ela também gozou e ali começou a aprender os segredos de dominar os homens:
ali aprendeu a arte da manipulação dos músculos
para prender e soltar os homens, quando um ou outro lhe interessasse
merda cadê as outras folhas deste diário quem rasgou ou
arrancou de propósito a neta xingava sem saber a quem pois queria saber do
resto das confissões da vó mas se conteve e umas 50 páginas depois encontrou
outras anotações e coisas estranhas que
parece começaram a acontecer com nina n. naqueles longes anos mil novecentos e noventa e tantos
hoje, 19 de novembro de dois mil já tenho vinte anos e mais
de vinte homens já passaram pela minha cama o último deles, um italiano
marinheiro que conheci numa boate me
veio com uma conversa de transa tântrica uma foda espiritual dizia ele você
nunca viu nada igual é coisa de gozar horas seguidas em delícias inimaginadas
eu hein?ela disse que papo é esse,garoto,e ele disse ainda tenho um livro que
quero lhe mostrar o camasutra já viu falar e ela não que livro é esse e ele um livro indiano sânscrito de sexo e das
inúmeras formas de gozar e ela quero
ver.
e ali sua vida começou a mudar do sexo comum feijão com
arroz para coisas inusitadas ela ficou com o livro e dispensou o amante que se
foi assim que vieram outros e com cada um foi treinando posições malucas e
impensadas e certas coisas começaram a tomar conta de sua cabeça já não lhe
bastavam mais as fodas os arroubos os gozos os caralhos latejando em sua
buceta queria mais muito mais queria
posse total dos machos e quieta, analisava e estudava cada passo, armava os
botes e se esquecia pelos cantos, às vezes, semanas sem trepar buscando um
caminho
a neta não sabe ao certo o que acontecera pois o livro de
novo com páginas arrancadas como se alguém quisesse ocultar alguma maldição
algum segredo cabeludo algum distúrbio a neta nem sabe se sua vó tinha se
casado ou quem era o seu avô sua mãe nunca lhe dissera isso nem lhe falara
sobre a vó essa mulher misteriosa e mágica que lá pelos idos de mil novecentos
e noventa e tantos começara uma carreira vitoriosa e devassa de devoradora de
homens
poemas: me descobri poeta, e a cada cara que me come escrevo
um poema a ele dedicado dizia a uma única amiga que privou de suas intimidades
quando jovem: e os poemas, fragmentos deles,
ainda adornavam o diário e davam conta de seus múltiplos parceiros em orgias dignas de Baco
e Dioniso e a amiga ria e se excitava com aquelas descrições de fodas nos mínimos detalhes e com elogios ou
desaforos conforme o caso e conforme o homem
nina n. uma certa noite lá dos anos dois mil e poucos já
doutora em posições do camasutra e já escolada em lições de como prender e
manipular os homens do modo que quisesse já não mais se satisfazia com esses
gozos materiais com esses orgasmos comuns de mortais e começou a descobrir o
caminho a seguir em suas novas investidas isso ela já com mais de 30-corpo
perfeito peitos bunda coxa buceta cara tudo de uma beleza renascentista um Vênus saindo das águas algo
assim como boticelli reinventado
mas ela um dia se sentiu diferente, numa noite de amor com
um parceiro jovem, afoito e escorregadio ela sentiu um cio diferente e uma
coceira que lhe crescia pelos pés, pelas coxas, sub-vindo pela bunda e por todo
o corpo- e ao se olhar no espelho, no auge do sexo,ele, o macho se estatelou na
cama de susto e de nojo: debaixo dele, com oito pernas escancaradas e uma
buceta animal estava uma tarântula- uma viuva-negra, uma vulva de veludo a
sugar seu caralho a sugar seu quadril suas coxas suas pernas, a devorar o seu corpo inteiro no
calor de um orgasmo inimaginado
a neta procura no diário de nina n. mais informações sobre a
vó que desaparecera sem deixar notícias- seus pais há muito não sabiam dela
pois morava sozinha em outra cidade-
marido, não tinha, amantes, eram passageiros. amigas, poucas, que não sabiam
notícias ficou louca uns diziam e se mudou foi presa por assassinatos diziam
outros mas ninguém sabia. De nina n.
sabe-se apenas que surtara e sumira no mundo. Nem restos
foram encontrados do último amante que a esposa procurou como agulha num palheiro
ajudada pela policia. apenas sobraram em seu apartamento algumas fotos de uma
bela mulher, com a vasta cabeleira negra adornada com uma camélia branca, uma billie holliday, uma vida dramática, uns
estilhaços de poemas páginas
rasgadas de um diário que estavam espalhadas pelo chão e ainda havia versos
rabiscados em sangue na última página que não fora arrancada
lá em 2013 a neta se assusta e se assanha com a sanha dessa
vó: na última página uns versos escritos em sangue em língua estranha
propter quod
amat
mactaverimus amoris
iugum absurdum
e pelos negros
grudados no visco trazem-lhe dúvidas mais do que certezas:
onde andará nina n?
Um comentário:
Danilo, que texto mais que demais, algo denso, algo pungente, algo poeticamente forte. Você, meu amigo, é um escritor de primeira linha, desses que a gente lê e quer mais e mais.
Um 2013 mais que porreta pra você. Beijo
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