sábado, 19 de dezembro de 2009

: e sigo

imagem: Go ahead- flickr/stephcarter

i

:porque antes era assim- havia sonhos - que se sonhavam juntos como morangos vermelhos nos cestos amoantoados sob os pés das árvores- eram outros tempos e sonhos ainda havia quando nos juntávamos em grupos e a bagunça era geral o som comia solto e havia amor, também: falo de amor de corpos que se tocavam falo de simbiose de estar prá lá de bagdá me dá suas bocas me dá suas coxas me dá sua vida e tudo era assim: havia um quê de tudo o mais havia aquele ar flor e amor e ah- via-se tudo então com olhos de olhar prá dentro de prescrutar íntimos desejos e loucas travessias de egos e ei olha aí o ovo do início olha o gênesis e emerson lake e palmer olha aí os cantos rústicopoéticos jethro tull aqualung deus criado à maneira dos homens ei ...hey...

ii

na primavera\ já estivemos lá. era estação de flores, de florestas roxas rosas de cerejeiras em flor lá no japão de flores sem fim no sem fim do mundo. era estação de amores vãos-fúteis amores que se roçavam bocas que se tocavam braços que se aninhavam-mas era tudo tão rápido e tão jovem que a saudade não tinha e o tempo não passava e a gente esteve lá- abraçando, beijando, trepando feito loucos no cio mas era tudo muito romântico- e a primavera, porra, e não tinha tempo prá chorar: era tudo leve e solto e era isso aí.

iii

no verão a estória já era outra: corpos suados sarados malhados molhados agarrando-se nos amontoados das praias e das ruas e dos shoppings e era tudo tão bom tão up tão jovem- peles brancas, morenas, negras, de todas as cores e de todos os modos se entregando alí- e tome luas e luaus e tome sexo e alucinações e também ainda era tudo tão rápido que nem havia tempos de saudades ou de solidão? solidão? que solidão?

iv

depois as folhas começaram a cair e também as fichas: era outono., sabe? aquela estação estrangeira de folhas vermelhas e troncos nus que por aqui não combina, é tudo muito defasado, mas a angústia já se instalava e um frio já vinha descendo pela espinha nos momentos mais precários quando uma mão tocava meio gelada a nossa nuca e ei, que é isso porra que mão fria é essa? solidão- ah, já se sentia só-assim um pouquinho- nas noites mal dormidas- nas companhias que não ficavam, nas moças que iam embora, nos restos deixados nos copos, nos cigarros abandonados nos cinzeiros...

v

é, o inverno é foda: deixa-nos muuuuito tristes- e enrolados em cobertores de lã a gente se sente estranho no ninho: quando foi que saí de casa:

Quando saí de casa

Eu fiquei lá:

Quando me vim

De mim

Deixei crateras expostas

Portas fechadas,

Feridas,

Deixei pedaços espalhados

Espelhos quebrados, nos caminhos,

Nas fendas das grotas,

Nas curvas do tempo,

Deixei partes inconciliáveis

Quando eu me vim

A este mundo outro:

Os bichos ficaram lá:

Amoitados, amontoados

Num cantinho qualquer

De uma cidade antiga:

Latidos, miados, urros

Gritos e uivos- todos silenciados

Num pedaço de memória

Que teima,vez em quando,

Em uivar pra lua:

Meu, minha,

Teu, tua,

É a vida dando tapas,

Coices em nossas caras

Civilizadas.

Morre-se de fome,

De dores, de guerra,

De tédio

E daí?

A vida é assim. .

é, quando deixei a primavera da infância, aqueles sonhos rosados todos, quando foi que perdi aquele tesão de junventude braço bocabeijo bocejo bundas rebolando peitos ofegantes e sexo muito sexo e trepadas mil e gozos e nada de sonhos- ah..esse inverno é mesmo merda, frio como o alto do himalaia e aqui é o cu do mundo e eu nem sei mais o que estou sentindo será o peso da idade será o ar de chumbo da cidade será que será? a solidão- sólida como pedra rocha voadora que veio se abater aqui, no meio do meu coração branca como parede de cal soprando ausências:i

A solidão é uma parede branca

Caiada de ausências

Que germinam no corpo

Rememorando dores:

Tudo o que podia ter sido.

Não foi.

É uma ária de Bach

Adejando os ares

Num stradivarius

Sem ouvintes:

Antes, o corpo dançava

Ao som de estrelas

E os lençóis amassados

Eram nosso presente

De natal.

Hoje, não má marcas

Nos panos ou no pscoço

Beijos, flores mortas,

Murtas secas, no jardim:

A solidão é uma parede caiada

Branca de ausências

Onde a luz reflete

Promessas vãs:

A solidão.

vi

Porra, acho que deliro

em lírios mortos:

foda-se: estou vivo

e sigo.


4 comentários:

Adriana Godoy disse...

Estamos vivos e seguimos e melhor ainda com uma poesia como essa. Bravíssimo, Danilo. Uma viagem e tanto. beijo.

nina rizzi disse...

a cara de caiofa. eu venho aqui, danilo, e me parece estar lendo coisas de um batom no espelho...

beijo.

Roberto Ney disse...

Este mês o Ó Com Copo comemora 1 ano e é muito bom ter seu Blog fazendo parte desse nosso vórtice de palavras...

"Todo indivíduo possui um potencial criador incomensurável. Um vórtice de idéias e ideais que se misturam ao acaso. Letras, palavras, sons e silêncio. Escrever é compartilhar sentimentos. Então, façamos desse vórtice um devorador de emoções. Escrevam e compartilhem."

Boas Festas!
E que 2010 seja um ano de muitas inspirações!

Roberto Ney ( Blog Ó Com Copo).

SURAIA disse...

Ah... sim.... é inverno e estamos vivos e seguimos e o pior (ou melhor, como queira) é que nos recusamos a usar agasalho, ou a dar grande importância ao frio tentando invadir entranhas...