terça-feira, 15 de julho de 2008

terça-feira, 8 de julho de 2008

À SOPHIA


foto "A chair" de luiznavarro/Flickr

Instante

Deixai-me limpo
o ar dos quartos
E liso
o branco das paredes.
Deixai-me com as coisas
Fundadas no silêncio.

Sophia de Mello Breyner Andresen
De "Livro Sexto II" (1962)



Em silêncio
contemplo a quietude
a beatitude
das coisas claras:
o sol adentrando
os quartos
e espantando a noite
desenhando nas paredes
mosaicos de luz.

As paredes brancas
são meu espelho
a transparência
da minha alma

O silêncio murmura
em mim
suas exigências:
estar assim
mudo
assim
quieto
assim
zen
assim sem
sobressaltos.

Como pássaro
no raro instante
do pouso.
instante


Um poema-tributo à poeta portuguesa Sophia Andresen

domingo, 6 de julho de 2008

BARROCO


Sou um poeta barroco
e pendo
entre céus e infernos
entre verões e invernos.
Navego
cego
no brilho opaco do olho.
Colho flores do espírito
nos jardins do Eden
e frutos sensoriais
nos rastros da serpente.

Sou barroco
e me entrego
aos prazeres do corpo
buscando saciar a alma
que derrapa, inconseqüente
entre o quente da carne
e a calma da chama
que arde, eterna.

É terno meu caminhar
mas são volúveis meus passos
que passam
às vezes lentos
às vezes tensos
entre vicios e virtudes
entre luzes e sombras
numa zona cinzenta
de idéias indefinidas.

Oscilo
entre o vazio e o pleno
entre o puro e o obsceno.
Aceno
ao ubíquo
e ao ambíguo
desejo obliquo.
Divago
entre a superfície e o fundo
entre o agudo e o obtuso.
Intruso
indecifro-me
no âmago da escuridão
buscando as imensidões
da sombra e da luz.
Sou paz, sou pus
componho-me e decomponho-me
numa antítese imperfeita.

Em um mundo óbvio
sem mitos e metáforas
sou palavra em transe
transmutando-me
em multiplicidades.

Sou um anjo torto
de asa quebrada
e sorriso morto
sem norte, sem porto.

Sou anjo barroco
que sobreviveu
às intempéries
e que busca um caminho
um destino num mundo
onde anjos já não tem vez
nem voz.

Bsb, 06/07/2008 sobre a obra